O embaixador brasileiro na terra dos leões, ainda chamada Ceilão, senta-se na varanda e toma um drinque refrescante. Ao seu lado está um livro em sânscrito, que tenta ler há meses. É seu último cargo diplomático. Observa as plantas do jardim e talvez pense humildemente na vida e nas mulheres que amou. O silêncio só é quebrado pelo zumbido dos insetos.
Décadas antes, Luís Aranha ficou paralisado no Theatro Municipal de São Paulo. A vaia era ensurdecedora. Os que faziam uuuuu não entendiam o futuro. Quanta insensibilidade! O jovem de 20 anos leu seus poemas na segunda noite da Semana de Arte Moderna e depois calou-se para a poesia, partindo para a Europa, América Latina e Ásia.
Luís Aranha talvez seja o nome menos conhecido dentre os poetas da semana centenária. Nunca publicou um livro e abandonou muito cedo o modernismo. Tornou-se diplomata "full time", ao contrário dos escritores que conciliaram as duas atividades. "Largou a arte para que ela não o devorasse", como escreveu Mário de Andrade. O próprio Aranha declarou em versos: "Eu era poeta (...)/ Mas o prestígio burguês (...) explodiu na minha alma como uma granada".
Era outro contexto, mas a ironia seria profética. Ele se referia ao tempo em que foi seduzido pela burguesa carteira assinada e trabalhou numa drogaria. "Óh! prateleiras da minha mocidade (...)/ Castelães cheias de rótulos e fórmulas!". Tirava sarro da grandiloquência romântica e depois fazia desfilar suas antimusas embebidas em champanhe: cocaína, morfina, benzina, estricnina…
Outro dos poemas do vaiado modernista intitula-se "Cocktails". Deu nome a uma coletânea que juntava sua obra espalhada por revistas (como a Klaxon, de 1922), jornais e gavetas, organizada por Nelson Ascher e Rui Moreira Leite, e publicada pela Brasiliense em 1984, três anos antes da morte do poeta.
"Cocktails", o poema, é telegráfico, sincopado e antilírico como parte da produção dos colegas da semana. Os ingredientes são lançados como estilhaços. A associação livre une palavras pelo som ou pelo lance de dados no inconsciente: "Cocktail/ Cocteau/ Cendrars/ Rimbaud cabaretier". O próprio termo aparece, num bilhete de intenções: "Associação/ Rapidez/ Alegria".
No começo ele dá uma receita que não a da caipirinha oficial: "Gin cocktail/ Álcool/ Absinto/ Açúcar/ Aromáticos /Sacode num tubo de metal/ É frio estimulante e forte". A coqueteleira ganha ares futuristas. É um foguete gelado de metamorfoses químicas. Tudo ocorre simultaneamente, espontaneamente. Et voilà! Está pronto o poema, o coquetel, a alegria.
O gin cocktail é antigo e tem suas variantes. A de Luís Aranha é uma delas. A primeira receita publicada data de 1862. Está na bíblia da coquetelaria vintage, escrita pelo pioneiro Jerry Thomas: "The Bartender's Guide". No lugar do absinto, ele cita o licor de laranja. Não é seis por meia dúzia.
Na métrica de um bom coquetel modernista, o melhor é juntar todos os elementos. "Ópio/ Haxixe/ Maxixe". Mix de "vícios elegantes e danças modernas". Por que não? Uma bailarina de café-concerto passa rodopiando na ponta dos pés. Longe dos apupos antigos e das polêmicas presentes, Luís Aranha segue pelo tecer das teias. Continuaria tomando seu gin cocktail?
GIN COCKTAIL
Ingredientes
- 60 ml de gim
- 10 ml de licor de laranja
- 5 ml de absinto
- 5 ml de xarope de açúcar
- 2 espirradas de Angostura
Passo a passo
Mexer os ingredientes com gelo e coar para uma taça coupe gelada. Decore com uma casca de limão-siciliano.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.