Agosto de 1959. Miles Davis tinha acabado de lançar "Kind of Blue". Famoso no planeta inteiro, seu rosto estava "no Monte Rushmore do cool, junto com Marlon Brando e James Dean", de acordo com um repórter.
Na noite do dia 25, depois de ajudar uma jovem branca a entrar num táxi, ficou na frente da Birdland, autoproclamada "esquina mundial do jazz", dando autógrafos, fumando um cigarro. Foi abordado por um policial, que disse, com a proverbial truculência: "Circulando".
O trompetista explicou que trabalhava ali e mostrou as letras m, i, l, e, s, brilhando na marquise e fotos suas nos cartazes. Começou um bate-boca, juntou uma pequena multidão e de repente, bam!, um porrete surgiu do nada e acertou a cabeça do gênio do jazz. O sangue escorreu no elegante terno cáqui. Miles foi levado para a delegacia.
Seu comentário, na celebrada autobiografia escrita com Quincy Troupe: "Eu estava cercado de caras brancos. Aprendi que numa situação dessas não há justiça se você é negro. Nenhuma".
Miles faria aniversário nesta sexta, dia 26. Faz muita falta. Seu coquetel favorito era o excelente rob roy, que fica ainda melhor ao som de seus discos. "Bitches Brew", por exemplo. "Brew" quer dizer, literalmente, bebida fermentada.
Em alguns lugares, a expressão tinha caráter pejorativo. Era usada para designar cervejas aromatizadas, de baixa qualidade. Quem batizou a obra-prima foi Betty Davis, ex-modelo que se tornou a cantora mais original do funk. Casada com Miles por um tempo curto, apresentou o amigo Jimi Hendrix a ele. E o estimulou a ouvir álbuns de Sly Stone e James Brown. Ou seja, ela foi madrinha do "Bitches Brew" em todos os sentidos, essa "mistura foda" de jazz, funk, rock, psicodelia.
Ídolo de Miles, Roy Eldridge também enfrentou o racismo sob os holofotes. Especialmente no período em que era o único negro nas orquestras de Artie Shaw e Gene Krupa —como Vini Jr. no meio dos "Blancos" do Real Madrid; assim são chamados os jogadores do time (por causa da camisa, é certo, pero que lo hay, lo hay).
Um dos maiores sucessos do veterano trompetista, que transitou entre a era do swing e do bebop, chamava-se justamente "Old Rob Roy". Seria uma referência ao drinque? Ou ao herói escocês do século 18, Robin Hood das Terras Altas, cantado por Daniel Defoe e Walter Scott?
A primeira menção à mistura (foda) de uísque escocês com vermute data de 1894. Teria surgido no Waldorf Astoria, templo de conforto e lazer para brancos ricos. Ficava onde hoje se ergue o agulhão do Empire State. É uma versão do Manhattan, com o uísque substituindo o bourbon ou rye.
O livro "Cocktails of the Movies" garante que o rob roy aparece em "Anjos da Broadway", filme de 1940, dirigido e escrito por Ben Hecht, um dos roteiristas favoritos de Pauline Kael. Dá para ver no YouTube, sem legendas.
Mesmo para quem sabe inglês, nem sempre é fácil acompanhar os diálogos, ácidos, velozes. No malabarismo verbal de gângsteres, artistas decadentes e a dançarina interpretada por Rita Hayworth, o rob roy se perde. Alguém pediu?
Como os personagens estão sempre com uma taça, é grande a chance da carta de drinques ter sido bebida de A a R, no mínimo. Ou que o rob roy tenha sido especificado no roteiro.
No nosso script, o brinde vai para Miles, Eldridge, Betty Davis. E Vini Jr.
ROB ROY
60 ml de uísque
30 ml de vermute doce
2 lances de orange bitters
Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça martini gelada. Decore com uma cereja marrasquino.
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