Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim
Descrição de chapéu Oscar

'Os Banshees de Inisherin' e o cosmopolitan de 1927

A receita respeita o próprio nome, com ingredientes de seis países

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É coisa para se guardar, diz a canção. Tratar de "coisa" um amigo é um tanto estranho, mas a manutenção dessa "coisa" está de acordo com a definição de Aristóteles: amizade é hábito.

O Jonjo's Pub, na ilha fictícia de Inisherin, assiste a esse hábito todos os dias, às duas da tarde, quando Pádraic e Colm chegam para tomar uma pint de cerveja preta e jogar conversa fora.

O costume afetivo, porém, se quebra num estampido verbal ("não gosto mais de você"), ecoando, assim, o som das bombas do outro lado da costa. Estava em curso a guerra civil que opôs nacionalistas irlandeses entre 1922 e 1923. Cortava-se da própria carne.

A facção mais dura do IRA —o Exército Republicano Irlandês— se recusava a aceitar o acordo com o Reino Unido, que dividia o país em dois e obrigava o líder irlandês a jurar lealdade ao monarca britânico.

O filme "Os Banshees de Inisherin" é uma comédia de tinturas tenebrosas. Trata da amizade, mas também da loucura da guerra. O filme, indicado a nove Oscar, ainda é perpassado pelo grito surdo do mau agouro, na forma da banshee do título, entidade mítica do folclore celta que anuncia a indesejada das gentes. É a sra. McCormick, a quem todos evitam, intuitivamente. Louca? Bruxa?

Erguido pedra a pedra pela produção, o pub local resiste às bombas reais, longínquas, mas se deixa corroer pelas verbais, que explodem no balcão e nas mesinhas. Ali, a sombra insidiosa da discórdia é indistinguível da penumbra acolhedora.

A polícia e a igreja surgem como peças terrenas, obtusas diante da loucura. O bobo da ilha, sincero no limite da santidade, e a inteligente irmã de Pádraic são as únicas pessoas que parecem entender realmente o que se passa.

O lado esquerdo do peito vai se esvaziando a cada investida tola de Pádraic em busca da reconciliação. Não há mais mão para apertar. A ilha, de paisagens tão bonitas, fotografadas com efeito mitológico, é pequena demais para a maldição que lhe cai em cima.

Mais ou menos na mesma época, nos EUA de tantos imigrantes irlandeses, uma curiosa amizade se firmava em torno, também, do hábito de beber. Diante da lei que proibia os bons tragos, dois amigos criam uma ordem secreta: a IBF, ou International Barflies, a Liga Internacional dos Bebuns.

Ao contrário dos tragicômicos BFF de além-mar, Harry MacElhone, o lendário dono do Harry's Bar em Paris, e o jornalista O.O. McIntyre, colunista dos mais populares nos EUA, unem-se para valer em torno do ideal de libar à vontade. Uma inebriante anarquia, longe de banshees moralistas e das obtusidades da polícia e da igreja.

A IBF tem regras relativamente maleáveis, explicadas em pocket de MacElhone, "Barflies and Cocktails", lançado em 1927. A bíblia clandestina trazia 300 receitas, dicas para o bartender zeloso, lista de tavernas pelo mundo e criações das mais notáveis "moscas de bar" —entre eles Sinclair Lewis, Nobel de Literatura.

O Cosmopolitan, safra 1927, é uma invenção de McIntyre (por 15 anos colaborador da revista Cosmopolitan). Se perdeu em fama para o coquetel de "Sex & the City", totalmente diferente, sua receita presta-se muito mais ao nome. Afinal, traz ingredientes de seis países diferentes.

O drinque cosmopolitan 1927
O drinque cosmopolitan 1927 - Reprodução

COSMOPOLITAN 1927

15 ml de uísque irlandês

15 ml de uísque escocês

15 ml de vodca

15 ml de Swedish Punsch

15 ml de vermute seco (francês)

15 ml de vermute doce (italiano)

Mexa os ingredientes com gelo e coe para um copo old fashioned com uma pedra grande gelo. Decore com casca de laranja.

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