Daniel Furlan

Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa "Choque de Cultura".

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Humanos fantásticos - parte 2

Com os confusos poemas de Walter ecoando em nossas mentes fritas pelo sol

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Na jornada em busca dos últimos hippies, ficamos sabendo que deveríamos procurar por Roque na aldeia. Contra todos os conselhos, fomos sozinhos. Numa tarde escaldante de domingo, foi preciso andar um pedaço grande abandonado, com uma imensa área seca onde costumava ser um rio, parte da mata pegando fogo, parecendo um cenário de luta do Jaspion.

No meio, uma casa exótica cheia de artesanato e uma placa com preço por foto. Ficaríamos sabendo que o dono teria enlouquecido, a ponto de sair correndo atrás de carro de turistas gritando que tinham tirado foto de seus filhos.

Ao longe o vimos, um senhor de barba branca com uma enxada cavando buracos aleatórios na areia, cercado pelos filhos, aparentemente num trabalho repetitivo sem sentido, como Jack Nicholson e seu livro em “O Iluminado”.

Ilustração
Publicada nesta segunda-feira, 8 de abril de 2019 - Cynthia Bonacossa

Quando já era possível ver a aldeia hippie, não avistamos Roque, mas fomos avistados por Walter, um vendedor de artesanato de coco. Não exatamente um hippie, mas estávamos chegando perto. 

Walter explicou que não trabalha domingo, porque há muito movimento e fica difícil conversar com as pessoas tranquilamente. Queixou-se do loteamento que estão fazendo na mata, onde pessoas misteriosas com carros de luxo estão cercando tudo, tornando difícil o acesso ao pé de caju que há no caminho de sua casa. Quando perguntamos sobre um provável último hippie, o pescador que namorou Janis Joplin, disse que esse não estava mais ali. “Não há mais hippies, a ideologia se foi, nem há mais rock. Só reggae, pagode e axé gospel.” Triste.

Walter foi mais um a nos dizer para procurar Roque, “um ex-hippie doidão atualmente evangélico, líder da Associação de Moradores”. E depois recitou poesias de forma desconexa.

Ainda com os confusos poemas de Walter ecoando em nossas mentes fritas pelo sol, finalmente chegamos à aldeia. Muito artesanato e centros de arte, mesmo num local pequeno onde não circula quase ninguém. Devia haver uns cem artesanatos per capita e os vendedores faziam questão de nos deixar, provavelmente os únicos potenciais consumidores em meses, constrangidos quando dávamos sinais de continuar andando sem levar nada. Uma espécie de inferno do comércio informal, se não fosse uma música gospel ecoando de um bar. (Continua)

Colaborou Cynthia Bonacossa

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