A maior crueldade da sétima série é que a idade dos aparelhos odontológicos é a mesma da luta pelo primeiro beijo na boca, uma luta que eu estava perdendo há algum tempo. 

Na escola, esse tipo de atividade supostamente acontecia em encontros combinados por meio dos conhecidos bilhetinhos em sala de aula. Nunca nada dessa magnitude havia chegado à minha mesa, mas, se eu me mantivesse sempre pronto, seria uma questão de tempo.

Metodicamente, meu aparelho móvel era guardado no estojo assim que eu chegava à carteira, ainda que umedecesse um pouco alguns lápis e borrachas e, por transição direta, posteriormente a matéria anotada no caderno. Mas, na lista de prioridades de qualquer adolescente, a socialização sempre esteve acima da saúde dental e já estava tudo pensado: da mesma forma que eu tinha de ser deixado a quilômetros da escola para dar a impressão de que estava chegando sozinho (e de preferência que não tinha nenhuma família), me parecia inadmissível que a obsessão da sociedade por um alinhamento odontológico utópico prejudicasse o meu poder de sedução. 

Mas os aluguéis dos consultórios dos dentistas não se pagam sozinhos.

No recreio, além do aparelho, eu tirava a camisa do uniforme, expondo algum traje de banda com a usual temática de cadáveres em putrefação que trazia por baixo e ficava num canto, tentando chamar a atenção depredando propriedade escolar, desenhando obscenidades nas portas ou simplesmente cuspindo no chão. 

Essas eram todas as ideias que me eram disponíveis para atrair o sexo oposto, até amadurecer o suficiente para entender que, na verdade, nada é mais sedutor do que a indiferença total.

Mas eis que voltando do recreio, em meio a lápis umedecidos e aparelhos odontológicos negligenciados, encontrei em meu estojo um bilhetinho de amor. Finalmente, meu bilhetinho de amor, e com certeza de amor, devido aos corações desenhados com canetas com cheiro de chiclete. 

Entretanto, fora isso, tragicamente ilegível devido ao estado geral do estojo, encharcado da saliva que escapava do aparelho móvel guardado ali, fora de seu habitat, ironicamente para abrir caminho para o amor, mas cuja baba se espalhava em tudo o que houvesse ao redor, inclusive, nesse dia fatídico, no meu único e indecifrável bilhetinho de amor.