David Wiswell

Escritor, roteirista e comediante americano

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Descrição de chapéu Folhajus

Juiz da Suprema Corte dos EUA ocultou presentes também supremos

Quem regula a mais alta instância judicial do país? Bem, são eles mesmos, seus membros

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A ética dos juízes da Suprema Corte americana é irrepreensível –a não ser, é claro, que você ofereça a eles uma viagem agradabilíssima.

Pedidos para que o juiz Clarence Thomas seja investigado ou sofra um impeachment surgiram após o site investigativo ProPublica divulgar informações de que, há décadas, ele faz quase todo ano viagens de luxo pagas pelo bilionário Harlan Crow —viagens essas que ele jamais havia relatado, conforme prevê a lei.

O problema é que Crow, dono de um império imobiliário, é um dos maiores doadores do Partido Republicano.

O juiz Clarence Thomas em foto oficial da Suprema Corte dos EUA - Olivier Douliery -7.out.22/AFP

Por meio de entrevistas, documentos internos e registros de voos, o site de jornalismo investigativo ProPublica descobriu que essas viagens incluíram voos em jatinhos particulares, passeios em iates luxuosos em todo o planeta, refeições exclusivas preparadas por chefs e estadias no deslumbrante resort privado de Crow.

O valor de algumas dessas viagens foi estimado em mais de US$ 500 mil (cerca de R$ 2,45 milhões). Será que elas foram concedidas ao juiz em troca de favores, como por exemplo quando minha mulher nos levou numa viagem a, bem, um motel para que eu finalmente deixasse ela comprar um cachorrinho? (Que agora, dormindo na nossa cama, veta qualquer tipo de atividade que remeta a motel.) Ou o magnata e o juiz são apenas pessoas que pensam do mesmo jeito e compartilham juntos as benesses que os conservadores por acaso dão aos ricos e poderosos?

Quem regula a Suprema Corte? Bem, são eles mesmos, seus juízes. Quer dizer que, cada vez que Thomas recebe um pequeno agrado, ele dá alguma outra coisa em troca? Se tivermos como base os meus hábitos, a esta altura ele já deve estar com a casa lotada de cachorrinhos.

As regras ditam que juízes devem notificar a Corte quando recebem presentes de valor superior a US$ 415 (cerca de R$ 2.000). Especialistas em direito (e alunos de matemática do ensino fundamental) afirmam que muitos dos itens dessas férias equivalem a presentes.

O cargo dos juízes da Suprema Corte dos EUA é vitalício —o que não sei bem se é uma honra ou um grande perigo. De todo modo, a justificativa para isso é que assim eles estariam protegidos de influências externas.

Além da questão da legalidade, há o efeito que o episódio pode ter sobre a confiança pública. Segundo sondagem da Gallup, mesmo antes desse escândalo o índice de aprovação da Suprema Corte estava em 40%, o mais baixo da história. Seu índice de desaprovação, por sua vez, atingiu seu pico, 58%.

O mais preocupante é: o que aconteceu com os outros 2%? Eles estão bem? Será que foram assassinados? Será que foi Crow?!?!

Crow e Thomas se defendem das acusações dizendo que são amigos de longa data. Amizade esta evidenciada por uma pintura na parede do resort particular de Crow que mostra os dois fumando charutos com figuras conservadoras influentes como "Leonard Leo" —visto como o responsável por orquestrar a recente guinada à direita da Suprema Corte. Uma imagem vale mais do que mil palavras, mas, nesse caso, é provável que essas palavras sejam só uma longa lista de cifrões.

Muitas das viagens tiveram a participação de executivos e ativistas conservadores. Por falar nisso, Crow doou US$ 500 mil (cerca de R$ 2,45 milhões) a um grupo de ativismo fundado pela mulher de Thomas, Ginni, no qual ela exerce um cargo com salário de US$ 120 mil (R$ 590 mil).

A controvérsia também exacerba temores de que Ginni tenha se envolvido em esforços para derrubar o resultado das eleições de 2020, mas não tenha sido responsabilizada por seus atos. E com o fato de isso não ter levado Thomas a abster-se de votar em processos ligados à eleição que envolveram Ginni —não obstante o gritante conflito de interesses implicado.

Os defensores de Thomas dizem que o padrão ético pelo qual os juízes se pautam deve falar por si só. Isso já acontece. Por exemplo, os últimos três juízes conservadores a serem nomeados disseram sob juramento, ao serem sabatinados para o cargo, que respeitavam os precedentes sobre os direitos de aborto no país. Uma vez nomeados, voltaram atrás e os derrubaram.

Como a maioria da população dos EUA acha que o aborto deveria ser totalmente legal, esses juízes obviamente não falaram francamente sobre a questão para que a opinião pública não abortasse suas esperanças de serem nomeados.

Com a confiança do país na Suprema Corte em risco, sobram poucas opções para efetuar qualquer mudança duradoura. Elas são: criar uma corte ainda mais suprema para fiscalizar a Suprema Corte, e depois uma super ultra mega corte para fiscalizar a anterior; afastar Clarence Thomas por meio de um impeachment; ou, por fim, virar amigo de Harlan Crow.

Tradução de Clara Allain

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