A implementação de um novo arcabouço fiscal visa trazer previsibilidade para os agentes econômicos sobre a gestão das contas públicas por parte do atual governo.
Caso bem-sucedida, a medida pode trazer um aumento da confiança dos investidores, consumidores e empresários na capacidade do governo de honrar seus compromissos e manter a estabilidade econômica. A efetividade desse novo arcabouço fiscal ainda é incerta, pois os detalhes ainda não foram completamente divulgados e o que já foi apresentado levanta pontos de atenção.
Um aspecto crítico do projeto é como as receitas serão consideradas. Caso receitas extraordinárias —como a venda de ativos ou a antecipação de royalties— sejam incluídas no cálculo, isso poderia gerar mais desequilíbrio nas contas públicas, como ocorreu no estado do Rio de Janeiro em 2017.
Naquela ocasião, o estado utilizou receitas temporárias para financiar gastos recorrentes, comprometendo sua capacidade de investimento e o cumprimento das metas fiscais. Como resultado, o Rio de Janeiro entrou em regime de recuperação fiscal com o apoio da União.
A inclusão de receitas extraordinárias no cálculo poderia colocar em risco a eficácia e a credibilidade do novo arcabouço fiscal. Portanto é crucial que o governo leve em conta a natureza das receitas ao implementar as novas regras.
Um outro ponto que tem sido levantado é quanto à capacidade do governo de cumprir as promessas ambiciosas de superávit já no terceiro ano de mandato.
Como lastro, Haddad relembrou os resultados fiscais positivos dos governos Lula. Entretanto, o cenário naquela época era mais favorável: o nível da dívida pública e dos impostos era mais baixo e o alto preço das commodities exportadas pelo Brasil elevou as receitas. Atingir o mesmo feito nas circunstâncias atuais e em pouco tempo será desafiador.
Além disso, o próprio ministro admitiu que para zerar o déficit como prometido seriam necessários recursos adicionais na ordem de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões, o equivalente a 1% a 1,5% do PIB atual.
Ele sinalizou que esse montante seria obtido sem a criação de novos impostos, mas fazendo pagar imposto quem não paga ou paga muito pouco.
A redução de desonerações setoriais é um bom sinal, mas passa necessariamente pela reforma tributária do consumo e da renda, ou seja, depende de aprovação do Congresso. Se essas reformas forem mais frouxas do que espera o governo, zerar o déficit já em 2024 será inviável.
A falta de clareza sobre possíveis punições caso alguma regra desse arcabouço seja descumprida também merece atenção do governo.
Um dos problemas do teto de gastos era que, mesmo o governo aprovando propostas no Congresso que claramente visam romper o teto, não houve nenhuma responsabilização. E isso levou a novos descumprimentos e descredibilização da regra fiscal, aumentando juros e dificultando o trabalho do Banco Central em controlar a inflação.
Na proposta do novo arcabouço, ainda não houve detalhamento de quais serão os mecanismos de imposição para garantir a estabilidade institucional e, consequentemente, os benefícios da estabilização da dívida pública para o Brasil.
A proposta apresentada por Fernando Haddad tem o coração no lugar certo. A limitação do aumento de despesas e a estabilização da dívida pública são objetivos importantes, porém a falta de detalhes na proposta deve acender o botão de alerta na sociedade.
As dúvidas quanto à capacidade do governo de cumprir as promessas de superávit e a falta de clareza sobre possíveis punições em caso de descumprimento de normas precisam ser sanadas para que a proposta seja crível.
Assim, com a expectativa de saneamento das contas públicas, os juros finalmente começarão a cair —como o governo tanto quer e o Brasil tanto precisa.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.