Quem tem rede social ou acessa os jornais deve ter visto os vídeos de roubo, agressão e na sequência a ação de "justiceiros" no Rio de Janeiro. As cenas refletem a incapacidade quase geral dos estados brasileiros em prover tanto segurança quanto a sensação de segurança pública. Em números, o Brasil tem 11 das 50 cidades mais violentas do mundo por homicídios a cada 100 mil habitantes.
Em meio ao cansaço da violência e a descrença de que o Estado seja capaz de resolver dentro do processo legal, algumas pessoas recorrem a meios fora da lei na tentativa de resolver o problema ou de adquirir o sentimento de justiça. Nesse tema, Karl Aquino e outros pesquisadores conduziram um estudo para compreender as motivações dos justiceiros.
Os autores definiram a identidade de vigilante, termo em inglês para justiceiro, como "um senso de si mesmo como um agente moral que tem o dever de proteger a sociedade de ameaças, ainda que isso viole as leis ou normas sociais". Então, conduziram dois experimentos com questionários sobre percepções de se foram vítimas de crime, se foram sentem vontade de fazer justiça com as próprias mãos e expostos a cenários hipotéticos de violações de normas e a sua disposição de monitorar e punir.
Os resultados não surpreenderam: aqueles indivíduos que se percebem como vítimas de crimes são mais propensos a adotar uma identidade de justiceiros e a apoiar a punição severa de infratores, ainda que fora da lei. Também segundo os autores, a percepção de vitimização pode levar a uma sensação de superioridade moral, aplicando punições mesmo sem evidências concretas.
Apesar desses sentimentos de raiva frente à forte sensação de insegurança e de impunidade dos infratores serem compreensíveis, a ação de justiçamento só piora a violência. Sistemas judiciais e de segurança pública foram criados para evitar que o furor das massas gerasse ainda mais injustiças ao não levar em conta a presunção de inocência, o peso das evidências e a proporcionalidade frente ao crime. Não é à toa que a ação de justiceiros também seja crime, adicionando ainda mais trabalho para uma força policial que já não está dando conta de prevenir, monitorar, investigar e prender criminosos.
Para reduzir os incentivos para que mais pessoas queiram agir por conta própria, a classe política e os gestores públicos precisam mostrar ações concretas e planos inteligentes de segurança. As soluções passam por reformas e adoção de boas práticas internacionais, como a implementação de um Boletim de Ocorrência Único facilitando a transição de informações entre as etapas de denúncia e investigação, um maior compartilhamento de informações entre as polícias, o treinamento continuado para a polícia e a adoção de câmeras corporais para aumentar a legitimidade e confiança da população.
Há outras medidas, como a adoção de procedimentos operacionais padrão e supervisão regular por parte dos superiores e da corregedoria e programa de metas, com corresponsabilidade dos municípios, para coordenar a gestão de recursos policiais e de inteligência entre os entes federativos. Também é necessária a articulação dos mecanismos de controle externo, por meio dos órgãos do Ministério Público e do Exército, com o intuito de reduzir a violência e a corrupção policial. Além disso, precisamos de reformas nos processos judiciais e penais que consigam punir adequadamente para reduzir os incentivos ao crime, respeitando os direitos humanos das vítimas e dos presos.
Enquanto essas medidas não são tomadas, no entanto, é necessário reforçar que o justiçamento por conta própria leva a uma escalada de violência e a uma erosão do Estado de Direito.
Combate ao crime se faz com inteligência, estratégia e seguindo a lei. Toda solução fácil, rápida e baseada na raiva não irá resolver.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.