Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

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Deborah Bizarria
Descrição de chapéu casamento

Cristãos deveriam ser a favor de políticas de acesso a contraceptivos

Medidas são importantes mesmo para quem defende abstinência para solteiros e casamento com filhos

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A recusa do hospital São Camilo, em São Paulo, de realizar a inserção de um DIU, baseando-se em preceitos morais cristãos contra anticoncepcionais, gerou debates sobre a influência da moral religiosa em serviços de saúde privados.

A política do hospital, alinhada ao catolicismo, proíbe tais procedimentos, exceto em casos de doenças, por exemplo. Um juiz apoiou essa postura, argumentando que buscar anticoncepcionais por prazer sexual é uma atitude contrária à moralidade cristã.

A discussão desse tipo de caso fica mais complexa quando a entidade recebe recursos públicos e, ainda mais, se o procedimento seria realizado pelo SUS. Independentemente do caso concreto, políticas públicas de fácil acesso a métodos contraceptivos são fundamentais e deveriam ser apoiadas inclusive por cristãos.

Sabe-se que em geral cristãos defendem uma vida de abstinência para os solteiros e que filhos são uma bênção dentro do casamento.

Recentemente, mesmo católicos e evangélicos que não viam tanto problema no uso de anticoncepcionais por pessoas casadas passaram a rever essa posição. Mas a defesa desse estilo de vida precisa ser feita por meio do convencimento e da evangelização nos espaços apropriados, não gerando danos a terceiros.

Cartela de pílulas anticoncepcionais - Dado Junqueira/Folhapress

Afinal, as gravidezes não planejadas e muitas vezes indesejadas trazem consigo uma gama de consequências negativas para as crianças, que vão desde aspectos de saúde até socioeconômicos. Como mostra o livro "The best intentions: Unintended pregnancy and the well-being of children and families", as crianças nascidas de gravidezes não intencionais enfrentam um maior risco de desnutrição, doenças, negligência e, em casos extremos, até abandono ou morte.

Além disso, há uma probabilidade elevada de parto prematuro, baixo peso ao nascer e problemas no desenvolvimento, o que pode comprometer significativamente a qualidade de vida do filho. A falta de planejamento familiar também pode resultar em menor acesso à educação, cuidados de saúde e oportunidades futuras, limitando o potencial dessas crianças.

Além do impacto direto nelas, o estigma social, a discriminação e a violência podem afetar as famílias e comunidades envolvidas. No caso de mães jovens ou adolescentes, há também aumento do abandono escolar e redução da sua participação no mercado de trabalho em 25%.

Há também uma patente desigualdade no acesso aos métodos e à informação de como usá-los, dependendo da renda das mulheres. Um estudo da Brookings Institution observou 3.885 mulheres solteiras, de 15 a 44 anos, que afirmaram não estar tentando engravidar. Os resultados indicam que a frequência de relações sexuais não é o principal fator que diferencia as taxas de gravidez não intencional entre as classes econômicas.

Aproximadamente dois terços das mulheres de todas as faixas de renda tiveram relações sexuais no ano anteriro, sendo que as mulheres de maior renda reportaram a maior taxa de atividade sexual, com 71%. O que realmente impacta as chances de gravidez não planejada entre mulheres mais pobres é o menor uso de contraceptivos.

Enquanto apenas 11% das mulheres mais ricas que tiveram relações sexuais relataram não usar contraceptivos, esse número foi mais que o dobro entre as mulheres do grupo mais pobre. Consequentemente, a taxa de gravidez foi significativamente maior para mulheres de baixa renda: 9%, em comparação com apenas 2,9% entre as mais ricas.

Na prática, se queremos um país onde as crianças tenham o apoio e a estabilidade familiar que necessitam para se desenvolver, é necessário apoiar políticas públicas que garantam o acesso a métodos que evitem gestações não planejadas ou indesejadas. Essas medidas são importantes para a sociedade, mesmo se você defende valores cristãos de abstinência para solteiros e casamentos com filhos.

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