Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

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Banco Central: falar demais é tão ruim quanto falar de menos

Pedir que economistas não interpretem falas de agentes públicos é pedir que não trabalhem

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A comunicação oficial da política monetária deve ser focada em evitar ruídos e interpretações equivocadas. Recentemente, Lula criticou novamente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela alta taxa de juros, como fez no ano passado, quando os juros estavam em 13,75%. Vinicius Torres Freire, colunista nesta Folha, explicou que forçar cortes na Selic não gera os resultados esperados, pois outras taxas se descolam da oficial, elevando o custo do crédito.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, em reunião no Palácio do Planalto, em Brasília - Ueslei Marcelino - 23.nov.2023/Reuters

A gritaria do governo contra decisões técnicas acaba se misturando à crítica de que diretores do Banco Central não deveriam externar suas preferências políticas ou confraternizar com pré-candidatos à presidência, mesmo em eventos privados.

Além disso, a recente autonomia da instituição, ainda mais num cenário político polarizado, acaba se misturando no meio do debate que não perpassa a modelagem institucional. Esses eventos ressaltam a necessidade de uma comunicação consistente e sem excessos das autoridades monetárias para evitar desestabilizações no mercado.

Há duas semanas, Alex Ribeiro, no Valor, apontou que o Banco Central vai proibir reuniões fechadas com investidores para evitar ruídos na comunicação da política monetária. Embora a instituição já exigisse transparência em eventos no Brasil, essa regra não se aplicava a eventos internacionais.

Em outubro, numa reunião em Marrakech, Campos Neto deu sinais confusos sobre a política de juros, mas os economistas presentes interpretaram como uma postura mais incisiva nos juros. Ele negou ter dado qualquer sinalização, mas a percepção mesmo assim influenciou o mercado.

Fernando Haddad fez a mesma reclamação. Em reunião com investidores, pediu que suas declarações não fossem interpretadas, mas suas falas sobre cortes de gastos, dependentes de Lula, também influenciaram o mercado.

Na prática, pedir para economistas não interpretarem falas de agentes públicos é pedir que não trabalhem. Como as declarações continuam, o mercado antecipa consensos, como na última reunião, onde todos já sabiam que o ciclo de quedas de juros seria interrompido.

A comunicação clara dos bancos centrais e seu impacto na economia têm sido amplamente estudados, especialmente após a mudança na política de comunicações do Fed, o banco central americano. Alan Greenspan, presidente por quase 20 anos, se orgulhava de falar pouco e ser vago. Seu sucessor, Ben Bernanke, adotou uma abordagem oposta, falando mais para tentar antecipar movimentos e tornar os mercados mais previsíveis.

No entanto, sob a presidência de Jerome Powell, as conferências do Fed após a pandemia de Covid-19 passaram a gerar ainda mais volatilidade, diferentemente de seus antecessores que reforçavam mensagens claras, de acordo com Namrata Narain e Kunal Sangani.

Além disso, ao analisar o caso do Banco da Inglaterra, Haroon Mumtaz e colegas descobriram que discursos dos dirigentes têm efeitos de longo prazo maiores do que coletivas de imprensa e comunicados sobre política monetária. Comunicações claras geram menos volatilidade do que as ambíguas, pois a ambiguidade dificulta a compreensão da direção da política monetária pelo mercado.

Similarmente, reações a detalhes aparentemente insignificantes, como palavras, tom de voz e expressões faciais, podem ter efeitos no mercado comparáveis a um corte na taxa de juros. Essa foi a conclusão de um estudo conduzido por Michelle Alexopoulos e outros pesquisadores, que analisou a reação do mercado às expressões feitas por dirigentes do Fed.

A política monetária e os políticos em geral precisam entender que não é possível controlar totalmente o comportamento de agentes econômicos ou impedi-los de reagir a estímulos. Uma comunicação clara, alinhada e precisa é fundamental para que a política monetária produza os melhores efeitos.

Talvez ter muitos diretores, o ministro da Fazenda e o presidente da República falando o tempo inteiro sobre juros não seja o melhor caminho para chegar no objetivo de tornar suas decisões mais previsíveis.

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