Denise Mota

Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens

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O inferno do racismo linguístico mora no sentido, mais do que nas palavras

Isolada, a palavra 'macaco', por exemplo, não tem nada de racista

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A velocidade com que as polêmicas nossas de cada dia nascem, se reproduzem e morrem nas redes sociais não lhes permite outro destino senão a irrelevância. No entanto, desses despojos vale resgatar a oportunidade de debate sobre racismo linguístico gerada (e soterrada sob vaias e aplausos) pela avaliação de que termos como "buraco negro" e "caixa-preta" seriam racistas, respectivamente segundo as ministras da Igualdade Racial, Anielle Franco, e do Meio Ambiente, Marina Silva.

Para além da in/felicidade dessas considerações, o que estudiosos do assunto afirmam é que a tecnicidade ou literalidade das palavras não são pontos de partida absolutos nem confiáveis para refletir sobre a problemática.

"Os imaginários constroem e estimulam discursos e os discursos operam, regulam, estimulam nossas ações como sujeitos e sociedade. Não há passividade na linguagem. Os sentidos não são fixos, estão sempre em disputa, por isso é preciso acolhê-los no momento em que irrompem. Isso quer dizer que uma palavra não significa a priori, ela está imersa nas relações que a fazem emergir com um determinado sentido, e não outro", afirma Jorcemara Cardoso, mestra e doutora em linguística pela Universidade Federal de São Carlos.

"Dito isso, buscar uma certa origem para dizer se uma palavra é ou não racista não dá conta de explicar termos que, numa visão etimológica, não são racistas, mas que passam a ser usados de forma racista", pondera Cardoso, professora de ensino de língua e cultura brasileira na Universidade Friedrich Schiller, de Jena, na Alemanha.

Banana com os dizeres 'Grafite macaco' atirada no gramado do estádio do Pacaembu durante partida amistosa entre a seleção brasileira e a seleção da Guatemala, em 2005 - Leo Drummond/Folhapress

"Um exemplo", ela completa, "é que não há nada na palavra ‘macaco’, em sua estrutura linguística ou mesmo etimológica, que aponte ser um termo racista, é somente a partir de como será mobilizado seu uso na sociedade que essa carga racista aparecerá".

Gabriel Nascimento, doutor em letras pela Universidade de São Paulo, professor na Universidade Federal do Sul da Bahia e autor de "Racismo Linguístico", afirma que vem tentando justamente ampliar esse debate, a respeito de se "racismo linguístico é sobre palavras", título de um dos seus mais recentes artigos acadêmicos.

"A pauta etimológica é importante e necessária, mas não é o foco para se pensar racismo linguístico, que tem a ver com a posição de autoralidade, de como ela é constituída nas práticas linguísticas. A perspectiva etimológica serve para explicar uma história linear da palavra. O que estamos falando é de expressões que podem se tornar racistas", pontua o escritor.

De fato, em seu texto Nascimento escreve: "Não basta, portanto, trocar apenas palavras como unidades da superfície da língua, como querem os que estão confusos entre racismo linguístico e politicamente correto. O segundo defende uma mudança ingênua na superfície da língua enquanto estou propondo justamente que as bases de formação histórica sejam nosso foco".

"Há uma disputa que se dá, também, na e por meio da linguagem", comenta Jorcemara Cardoso. "Não vejo isso como algo ruim, pelo contrário, acredito que esse tipo de movimentação remexe as estruturas do debate público, possibilita a emergência de outras perspectivas não hegemônicas e retira essa discussão do silenciamento."

Em consonância com Nascimento, ela assinala ainda que "não se trata somente de uma mudança de vocabulário, mas de uma mudança na consciência do impacto da língua(gem) na construção de quem somos e de quem podemos vir a ser".

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