Denise Mota

Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens

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Descrição de chapéu Todas África

Consciência e autoestima dançam coladinhas em 'Black Rio! Black Power!'

Documentário mostra mundo político-musical da juventude negra carioca dos anos 70

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Havia lugar para tudo: mensagens políticas, palavras de ordem motivacionais, sapatos sob encomenda, slides com James Brown, cabelos orgulhosamente crespos, roda para mostrar e compartilhar as habilidades de dança com os amigos e a lenta de rosto colado para continuar (dentro do possível) sorrindo, sonhando e cantando durante a semana.

Muitos domingos alimentados por uma experiência de pertencimento rara entre a juventude negra carioca suburbana dos anos 70 mudaram as vidas e as consciências dos "pés de soul" que foram, viram e resistiram à opressão cotidiana com a ajuda de uma caixa de som. E isso é o que recorda o documentário "Black Rio! Black Power!", que tem pré-estreia nacional neste mês, em São Paulo.

Cena do documentário "Black Rio! Black Power!"
Cena do documentário "Black Rio! Black Power!" - Divulgação

Referências desse movimento, Dom Filó —fio condutor e produtor associado do filme—, Carlos Dafé e outros artistas, produtores, estudiosos e frequentadores que ajudaram a fazer dos bailes black uma instituição na cidade, contam como surgiram esses encontros.

Com a emoção à flor da pele, eles falam sobre as vinculações dessa iniciativa com noções de empoderamento, justiça e consciência crítica social e racial que atravessavam comunidades negras em todo o mundo, especialmente na África, com a luta anticolonial, e nos Estados Unidos, a partir dos movimentos pelos direitos civis.

Registro de uma das festas do movimento Black Rio
Registro de uma das festas do movimento Black Rio - Divulgação/Acervo Almir Veiga

O poder de influência dos bailes sobre os jovens negros não passou despercebido pelo aparelho de repressão estatal, que frequentou as festas para confeccionar dossiês hoje conhecidos. Nesses documentos, o movimento Black Rio aparecia como um passo inicial para sequestros em prol da "luta racial entre brancos e negros", patrocinada "por recursos norte-americanos". Na imprensa da época, circulavam teorias de que as festas tinham por objetivo destruir a cultura nacional ao trocar o samba por música estrangeira.

No universo doméstico, também se vivia uma revolução: as reuniões de "hi-fi" —encontros inicialmente caseiros para ouvir discos, tomar algo e flertar— se tornavam eventos com até 5.000 pessoas, sedentas pelos mais novos sucessos da soul music. As pioneiras noites temáticas no Clube Renascença —ponto de encontro tradicional de entretenimento da comunidade negra— desabrochavam em numerosas equipes que levariam o movimento a outros patamares e bairros.

"Black Rio! Black Power!" mostra ainda como entender o momento social e se fortalecer ao lado de lideranças de outros setores; coletivos e academia estiveram entre os vários golpes de mestre das mães e pais fundadores do movimento e que garantiram o seu legado.

Dom Filó em cena do documentário "Black Rio! Black Power!"
Dom Filó em cena do documentário "Black Rio! Black Power!" - Divulgação

O dançarino e coreógrafo Agenor Neto, por exemplo, diz que Filó foi seu "Zumbi dos Palmares", pela abertura de caminhos mentais que proporcionou. "A gente era muito subjugado. O primeiro engenheiro negro que conheci foi o Filó. Nosso destino era ter cargos subalternos, não tinha essa perspectiva."

Neto continua: "Essa mesma galera (o público dos bailes black) durante a semana escovava o cabelo, botava um tênis, para ter acesso à sociedade". Nos fins de semana, a caminho das festas, o penteado, a forma de vestir, incomodava e aumentava a violência nas blitz policiais, já por si só recorrentes, ele lembra, e aponta que o fenômeno não terminou: "A estética do negro de comunidade assusta a sociedade".

O filme, uma deliciosa narrativa que deixa um sorriso no rosto em quase todos os momentos (apesar dos pesares), ainda não tem data de estreia no circuito comercial, mas sua pré-estreia nacional acontece no CineSesc no sábado (23), às 20h, com a presença do diretor, Emilio Domingos.

A exibição acontece dentro do festival Oju, dedicado a cinematografias negras, que acontece de 20 a 27 de março em várias unidades do Sesc no Estado de São Paulo.

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