Denise Fraga

É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

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Entre o quatro e o cinco, mora o infinito

Resolvi parar nas meninas. Confesso que estou com bastante preguiça de acompanhar os acontecimentos olímpicos depois de tanto cimento misturado a propinas que tivemos de digerir. Me embrulha o estômago pensar que estádios superfaturados, construídos com o dinheiro dos impostos de quem não tem hospitais decentes, ficarão sem utilidade depois de um mês de uso, abandonando ao tempo nossa indignação concretada.

Mas a tarde chuvosa me fez zapear no sofá e bati os olhos na ginástica artística. Fez-se a mágica. É inacreditável o poder da coisa. Como é possível dar alguns saltos mortais e cair de novo, em pleno equilíbrio numa barra de dez centímetros de largura? Não consegui continuar o zapping e quando percebi já estava de mãos postas, rezando por elas. Piruetas, giros e saltos carpados me fazendo crer no impossível. Como se treina pra isso? Quanto se cai de cabeça? Como sobrevivem?

Gosto dos esportes. Na verdade, gosto mais do antes e do depois do que da coisa em si. Os rostos dos atletas me dizem mais que seus músculos. A concentração antes do pulo na piscina, a tirada dos óculos ansiosa no final ofegante, o abraço no treinador. Com as meninas da ginástica, a emoção é completa. O rosto irradiando todo o tempo o desafio. O sorriso teimando em abrir, explodindo o prazer de estar chegando ao final da missão impossível, os olhos marejando firmes depois da queda. Como continuar depois de cair sentada? Como recuperar-se para mais um mortal? Uma recuperação precisa não deveria contar mais pontos do que os que foram tirados pela queda? A queda não aumentaria o tal índice de dificuldade?

É quase impossível acreditar ser justa uma nota para tal esporte. Como avaliar em números tamanha sutileza? Se a coreografia é diferente para cada atleta, o grau de dificuldade variável, as possibilidades de movimento infinitas, como definir tal riqueza em um número. O que se avalia? Entendo que há critérios: o pé de um jeito, a mão de outro, flexão ou não dos joelhos. Mas o show de beleza e risco é impalpável. E tão superior!

Sempre me frustro com notas. Sempre acho injusto. Um infinito reside entre um cinco e um quatro para ser jogado fora e reprovar uma criança na escola. No caso das meninas, são décimos que as tiram da classificação. Como se sente este juiz ao transformar tanto em tão pouco?

Quando dei por mim, estava ali com elas, andando de um lado para o outro, a espera do meu destino. Foi quando Daniele Hypolito, esperando sua nota, depois de uma série com queda muito bem recuperada, olhou para a câmera e me pediu desculpa.

— Que desculpa, Daniele! Uma vida de treinamento e perseverança condensada em tão poucos minutos deveria poder mostrar suas quedas. As tantas que você deve ter sofrido em todo este tempo. Sua volta por cima é que merece medalha de ouro.

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