Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Desigualdades no centro do debate climático

Os 10% mais ricos do planeta foram responsáveis por mais da metade das emissões de gases de efeito estufa

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Rodrigo Faria G. Iacovini é doutor em planejamento urbano e regional pela USP, coordenador do projeto “Mudando o clima das eleições” da Escola da Cidadania do Instituto Pólis, apoiado pela Fundação Heinrich Boll, e assessor da Global Platform for the Right to the City. Foi coordenador executivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e trabalhou na Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada

Victor H. Argentino de M. Vieira é engenheiro ambiental e urbano, mestre em ciência e tecnologia ambiental pela UFABC e assessor técnico da campanha SP Composta, Cultiva

“Temos que reduzir o consumo e comprar produtos ecológicos!” Iniciamos neste mês uma nova década, mas os apelos infelizmente continuam os mesmos.

A emergência climática nos impõe em 2021 ir além dessa visão ambiental individualista e mercadológica, colocando em xeque as reais questões sobre as estruturas de produção e consumo. Quem produz e consome de maneira inadequada? Como? Quem está sendo impactado de fato?

De acordo com relatório da organização inglesa Oxfam, os 10% mais ricos do planeta foram responsáveis por mais da metade das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) entre 1990 e 2015. Metade das emissões mundiais estão na América do Norte e Europa. O 1% mais rico da população mundial emitiu duas vezes mais do que o total emitido pelos 50% mais pobres.

Como os GEEs permanecem na atmosfera por centenas de anos, essa análise deveria considerar todo o histórico de emissões dos países .

Desde 1850, os EUA emitiram mais de duas vezes as emissões totais da China (2ª maior emissora histórica). A Índia cai da 3ª para a 5ª posição no ranking de emissões e o Brasil da 6ª para a 11ª, enquanto países como Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e Japão sobem diversas posições.

Há ainda países do sul global cujas emissões decorrem de suas exportações, as quais, no entanto, são destinadas ao consumo de países do Norte.

O consumo per capita de recursos nos países de alta renda é 13 vezes maior que em países de baixa renda. A identificação das causas das mudanças climáticas e seus impactos bem como a formulação de soluções devem levar em consideração essa discrepância.

Não se trata de eximir os países do sul global e pessoas de menor renda do enfrentamento à mudança climática. Contudo, apenas se compreendermos a geopolítica e a estrutura desigual de nossas sociedades poderemos encontrar soluções adequadas e, sobretudo, justas para o enfrentamento à crise climática, tendo em vista que a grande maioria da população sequer contribui significativamente para as emissões de GEE e, ainda por cima, é a mais afetada pelos impactos das mudanças climáticas.

Nos EUA, pesquisadores comprovaram, por exemplo, que bairros majoritamente negros já vivenciam temperaturas até 7 ºC superiores que outros bairros na mesma cidade.

No Brasil, todo ano milhares de famílias perdem suas casas em função do período chuvoso. Composta em sua maioria por pessoas negras, essa população ocupa áreas ambientalmente frágeis diante da ausência de políticas habitacionais e urbanas includentes.

Ações como a desconfiguração das Zonas Especiais de Interesse Social no Recife —que em alguma medida protegiam e possibilitavam o acesso dessa população à terra urbana - somadas à intensificação dos fenômenos climáticos em função da crise global, impactarão ainda mais essas famílias ao longo da próxima década.

O discurso da redução do consumo não se aplica, portanto, a uma considerável parcela da população que, não somente não se encontra em débito ambiental, como na realidade são os mais impactados pela crise climática.

A responsabilização da população e nações pobres por algum impacto ambiental serve somente à manutenção das estruturas desiguais de poder e ao agravamento da crise.

O colapso ambiental e climático é consequência de uma sociedade produtora de desigualdades e altamente consumista e produtivista, cujos beneficiários são poucos e - estes sim - devem ser responsabilizados. Devemos combater a causa e não o sintoma. Do contrário, estaremos criando novos problemas e soluções apenas paliativas.

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