Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Desigualdades

O lucro de poucos é a dor de muitos

Riqueza dos bilionários multiplicou-se durante a pandemia, enquanto 99% da população ficou mais pobre

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Katia Maia

Socióloga e diretora-executiva da ONG Oxfam Brasil

Jefferson Nascimento

Advogado e coordenador de justiça social e econômica da Oxfam Brasil

Dois anos após seu início, a pandemia de Covid-19 já afetou diretamente uma em cada 13 pessoas no planeta. O número de adoecidos é próximo ao das populações de Estados Unidos e Brasil somadas, cobrando um altíssimo custo humano: mais de 6,2 milhões de vidas perdidas no mundo, quase um Rio de Janeiro inteiro. O coronavírus também reduziu a renda de 99% da humanidade, contribuindo para o aumento das desigualdades sociais e econômicas.

Neste mesmo período, 573 pessoas entraram para um clube de pouco menos de 3.000 super-ricos, cuja fortuna combinada chegou a US$ 12,7 trilhões, US$ 3,8 trilhões a mais do que em 2020. É como se um grupo equivalente à capacidade de dois Theatros Municipais de São Paulo tivesse ganho, apenas durante a pandemia, mais de duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. No topo da lista está Elon Musk, cuja riqueza desde 2019 foi multiplicada por oito. Musk e as outras nove pessoas mais ricas do mundo têm fortuna superior à soma de 40% da população mais pobre do planeta, um contingente de 3,1 bilhões de pessoas.

O empresário Elon Musk é o atual homem mais rico do mundo; ele teve sua fortuna multiplicada por oito desde 2019
O empresário Elon Musk é o atual homem mais rico do mundo; ele teve sua fortuna multiplicada por oito desde 2019 - Angela Weiss - 2.mai.22/AFP

Estes são alguns dados do relatório "Lucrando com a Dor", lançado pela Oxfam às vésperas da segunda reunião em 2022 do Fórum Econômico Mundial, ocorrida em maio na cidade suíça de Davos. O informe aponta que, ao mesmo tempo em que um punhado de privilegiados acumularam, em 24 meses, o equivalente ao que haviam ganhado em 23 anos, a miséria pode ser a realidade de 263 milhões de pessoas em todo o mundo até o final de 2022.

O aumento explosivo da riqueza de pessoas que já têm muito se deve também ao aumento da lucratividade de empresas dos setores de alimentos, medicamentos, energia e tecnologia. Um exemplo é a Cargill, gigante do setor alimentício e uma das maiores empresas privadas do mundo. Em 2021, a Cargill teve lucro líquido de US$ 5 bilhões, o maior desde sua fundação em 1865. Com isso, a empresa pagou US$ 1,13 bilhão em dividendos a seus acionistas, entre eles membros da família fundadora, que hoje conta com 12 pessoas no clube dos bilionários.

Essa lucratividade nas nuvens está ligada ao boom do mercado de commodities, que, ao mesmo tempo em que enche os bolsos de grandes empresas e investidores super-ricos, contribui para o aumento da inflação ao redor do mundo, penalizando severamente os mais pobres, que, proporcionalmente a seus ganhos, gastam muito mais com comida que os mais ricos.

O cenário brasileiro é muito similar. Segundo dados da revista Forbes, durante a pandemia, surgiram 20 novos bilionários brasileiros, totalizando 62 super-ricos, com fortuna conjunta estimada de R$ 600 bilhões. Ao mesmo tempo, uma conjunção de fatores atua para a deterioração do quadro econômico e social do país, afetando principalmente a população socialmente mais vulnerabilizada: inflação em ascensão, principalmente de alimentos (que atingiu 7,05% só nos primeiros quadro meses de 2022), alto desemprego (11,1% de desempregados no Brasil), queda da renda do trabalho (que encolheu R$ 18 bilhões nos últimos dois anos), e redução da cobertura do Auxílio Emergencial na transição para o Auxílio Brasil, deixando cerca de 20 milhões de pessoas sem acesso a programas de transferência de renda. Levantamento da FGV aponta que o risco da fome ameaça quase 4 em cada 10 brasileiros, o dobro do verificado em 2014.

São necessárias ações estruturais para responder ao aumento da concentração de riqueza e de renda no topo, reduzindo seu impacto no acirramento de desigualdades sociais e econômicas e na captura do poder político pelos super-ricos e megacorporações.

Em linha com propostas debatidas pelo FMI, OCDE e União Europeia, é preciso criar um imposto extraordinário de 90% sobre lucros excedentes de grandes companhias, permitindo impor limites à lucratividade em mercados de alto impacto social, como os de energia e alimentos, além de possibilitar a criação de fundos importantes para investimentos sociais. Estima-se que, se tal imposto incidisse sobre as 32 empresas mais lucrativas durante a pandemia, poderia gerar US$ 104 bilhões em receitas.

A criação de um imposto único sobre riquezas e aumentos temporários de ganhos de capital ou impostos extraordinários sobre a riqueza acumulada durante a pandemia ajudariam a financiar políticas destinadas à redução das desigualdades sociais, econômicas, de gênero e raça, além de ações voltadas para o enfrentamento da crise climática.

Por fim, o estabelecimento de um imposto patrimonial permanente para os mais ricos contribuiria para reequilibrar a taxação do capital e do trabalho para reduzir desigualdades, além de auxiliar a combater o acúmulo desproporcional de poder político e as emissões de carbono colossais dos super-ricos.

Estima-se que um imposto patrimonial líquido, com alíquotas de 2%, 3% e 5% sobre fortunas pessoais de, respectivamente, US$ 5 milhões a US$ 50 milhões, US$ 50 milhões a US$ 1 bilhão, e acima de US$ 1 bilhão, poderia gerar US$ 2,52 trilhões em todo o mundo, o suficiente para tirar 2,3 bilhões de pessoas da pobreza, ou 70% do total de pessoas vivendo hoje nessa condição.

No Brasil, 84% da população concorda com o aumento de impostos pagos por pessoas muito ricas para financiar políticas públicas sociais, indicando um amplo apoio ao estabelecimento de um imposto sobre grandes fortunas no país, previsto no inciso VII do Artigo 153 da Constituição Federal de 1988 porém nunca regulamentado.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.