Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Desigualdade e privatização da democracia

Um projeto de venda da cidade de São Paulo vem sendo implantado desde 2017

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Patricia Laczynski

Professora do Instituto das Cidades (campus Zona Leste da Unifesp), membro do Vigência e do grupo de pesquisa Transborda – Estudos da Urbanização Crítica

São Paulo à venda. De tempos em tempos, ouvimos da boca de candidatos a cargos municipais discursos sobre os benefícios da privatização, que traria serviços públicos com mais qualidade e mais baratos, "já que haveria concorrência". Em São Paulo, especificamente, um projeto de venda da cidade vem sendo implantado desde 2017. Trata-se de uma grande política de privatização de diversos equipamentos e serviços municipais, tais como as concessões do sambódromo do Anhembi, do estádio do Pacaembu, do parque Ibirapuera, da gestão do Bilhete Único, de terminais de ônibus e de vários outros contratos.

Recentemente, no apagar das luzes de 2023, a Prefeitura de São Paulo aprovou mais uma lei que amplia ainda mais esse conceito, consolidando a visão de que a cidade é uma mercadoria. O projeto de lei sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes no último dia 12 de dezembro autoriza a Prefeitura de São Paulo a vender o nome de espaços públicos, como os prédios e estruturas públicas na área da saúde, cultura, esportes, educação, assistência social, lazer, recreação, meio ambiente e mobilidade urbana, a empresas privadas. Essa prática tem o nome de "naming rights".

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Estação Paulista, na linha 4-amarela do metrô de São Paulo, leva nome de Pernambucanas - Divulgação 9.abr.23/Pernambucanas

Estações de metrô, geridas pelo governo do estado, já aparecem com nomes de grandes lojas. São os casos das estações Paulista Pernambucanas, Penha Lojas Besni, Carrão Assaí Atacadista e Saúde Ultrafarma.

Dar a lugares públicos nomes de empresas privadas faz parte de um processo muito maior de privatização da democracia que amplia as desigualdades. Desde os anos 1990, grandes empresas têm aumentado sua influência sobre os processos políticos de forma a favorecer seus interesses privados, resultando numa economia que fica fora do controle dos governos nacionais, nas mãos de um número cada vez menor de grupos econômicos que prezam pelos seus interesses e privilégios, em vez de pensar nos interesses e necessidades da população.

Além disso, há uma tendência de progressiva concentração de propriedade, com algumas poucas empresas transacionais comandando setores econômicos inteiros. No Brasil, por exemplo, só na década de 2010, a empresa americana United Health comprou a Amil e o Hospital Samaritano de São Paulo; houve a fusão entre os grupos Kroton e Anhanguera; e o grupo francês Casino assumiu o controle do Grupo Pão de Açúcar; entre outros diversos casos.

Nesse contexto, as empresas, bancos e fundos de investimentos têm maior influência nas decisões de leis e normas, políticas públicas e licitações. Em contrapartida, movimentos sociais, ONGs, comunidades de base e a própria população, por mais organizados que possam atuar, têm mais dificuldades de garantir seus direitos. Ou seja, o que predomina em uma sociedade com poder ampliado do setor privado é a desigualdade.

Essa influência assimétrica e desproporcional que as empresas privadas têm em relação aos atores sociais, sobre os processos decisórios do poder público, de maneira a beneficiar os seus próprios interesses é chamado pelo grupo de pesquisas e ativismo Vigência de privatização da democracia.

Os mecanismos utilizados por empresas para influenciar as decisões políticas —ou "capturar" a democracia— vão desde o financiamento de campanhas políticas até o lobby no Congresso, passando pela contratação de políticos e funcionários públicos com contatos no governo. Seus impactos na sociedade são variados e perversos, trazendo altos custos políticos, sociais, econômicos, ambientais e culturais, como sistemas de saúde e educação particulares e caros; moradia digna inacessível para grande parte da população; estrangulamento dos pequenos produtores agrícolas; aprovação do uso de agrotóxicos perigosos para a saúde; aquecimento global; violência e muito mais.

O combate às desigualdades nas nossas cidades requer muito mais do que garantir políticas públicas para os mais pobres. Enquanto valorizarmos as relações com o setor privado em detrimento do fortalecimento das agências e organizações públicas e da criação de mecanismos de participação da comunidade e de outros atores sociais, o resultado será uma sociedade cada vez mais baseada no privilégio de poucos, e a desigualdade só tende a piorar.

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