Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Operações policiais equivocadas: mais mortes e mais desigualdade

Violência policial cresceu 26% desde o início deste ano

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Carolina Ricardo

Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz

São Paulo vive um retrocesso na segurança pública. A operação policial realizada em Guarujá e regiões da Baixada Santista é o último e trágico exemplo desse movimento.

Entre 2019 e 2022, o Estado reduziu os índices de letalidade policial em 50,7%. Mas no primeiro semestre deste ano o aumento foi de 26%. É uma guinada brutal, tão inaceitável quanto a morte do soldado Patrick Reis, da Rota, quando patrulhava Guarujá, e as 16 outras registradas na chamada Operação Escudo.

O resultado é fruto da fragilização do programa da gestão do uso da força, que culminou com a expressiva redução da letalidade policial com o uso de câmeras corporais. Como afirmou o Instituto Sou da Paz em nota pública, o programa está ameaçado de descontinuidade já que nenhuma nova câmera foi implantada desde que Tarcísio de Freitas assumiu.

O governador considerou a operação bem-sucedida e disse que as mortes são "efeitos colaterais". A ação policial acumulou críticas. Houve menções a chacina, tortura, ameaças e execuções. Em poucos dias, chegou-se a 16 mortos –entre eles um indigente, um ajudante de pedreiro e um garçom.

Ciclos de vingança não são recentes no Brasil e em São Paulo. Em 2015, em Barueri e em Osasco, 23 pessoas foram mortas e sete feridas num massacre conduzido por três PMs e um policial civil como vingança pela morte de dois agentes de segurança. Nesse caso, as chacinas foram conduzidas em período de folga.

A face mais aguda da letalidade policial mostra seus efeitos mais danosos sobre populações pobres, negras e periféricas. Sabemos que jovens negros são as principais vítimas de violência letal, e no recorte de mortos pela polícia o perfil é ainda mais jovem e negro. Relatório da Rede de Observatórios da Segurança mostra que a Bahia, cuja população negra é de 76%, tem 98% deles entre as vítimas. No Rio de Janeiro, o percentual de negros na população é de 51% e entre os assassinados é de 86%. Essas mortes ocorrem em territórios desiguais, com baixa presença e investimento do Estado na garantia de políticas públicas e acesso a direitos.

A Operação Escudo é oficial, realizada por policiais em serviço. É importante que o Estado retome e preserve sua autoridade. O caminho para isso está nas ações legítimas e eficazes, não em operações com recordes de mortes. Se o objetivo era prender os assassinos do soldado Reis, mostrando que não há impunidade para quem mata policiais, ele já foi atingido. Com inteligência e uma operação qualificada, não precisaríamos de tantas mortes.

Conforme declaração do governador, a Operação Escudo permanecerá por pelo menos 30 dias. Promete-se uma nova roupagem, com foco no enfrentamento ao crime organizado, problema importante a ser enfrentado.

No entanto, é um equívoco lidar com o crime organizado priorizando operações especiais e policiamento ostensivo. Se há indícios –ainda sob investigação– de que houve retaliação pela morte do policial assassinado, há ainda risco de a violência crescer. O fato é que o saldo já foi o de um grande número de pessoas mortas e baleadas, um profundo impacto na vida comunitária e escolar, aumento do medo da população e fomento da desconfiança em relação à polícia.

A estratégia deveria ser outra. A situação criminal da Baixada Santista não é novidade e demanda uma operação silenciosa, planejada, com articulação interagências, envolvendo Polícia Federal, Polícia Civil, Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo), Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e polícias de outros países –uma conjugação de esforços com potencial maior de chegar ao epicentro dos negócios do crime e às cabeças da organização criminosa, com muito menos impactos para a população local.

Pela opção escolhida até aqui, no entanto, quando a Operação Escudo acabar, o crime organizado continuará lá, a polícia terá deixado um rastro de mortes e a confiança da população estará ainda mais abalada. E o território permanecerá ainda mais profundamente desigual.

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