Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

A poesia da comunidade

Movimento cultural Cooperifa completa 18 anos de atividades literárias

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“Para começar, eu não sou escritor, eu sou poeta. E quando era garoto, eu não tinha com quem conversar sobre isso — quem gosta de ler sabe como é. E quem lê já é solitário por natureza, quer viver um outro mundo. Eu era o amigo gangorra: quando eu sentava, todo mundo levantava —‘lá vem o Sérgio falar da porra do livro’.”

Para essa coluna, fiz uma pequena entrevista com Sérgio Vaz, poeta de muito talento que, junto de Marco Pezão, fundou o Cooperifa, movimento cultural que neste ano completa 18 anos de atividades literárias no Jardim Guarujá, na periferia da zona sul de São Paulo. O que começou como uma reunião de amigos para discutir poesia num bar, ganhou corpo e hoje atinge milhares de pessoas da comunidade por meio de saraus.

Uma mulher negra lê um livro no centro da imagem. Há uma mão com megafone e pássaros saindo dele de cada lado dela
Linoca Souza/Folhapress

São lançamentos semanais de livros, exibições do Cinema da Laje, no qual só figuram filmes críticos —um dos últimos a ser exibido foi “Eu não Sou Seu Negro”, belo documentário que retrata o pensamento crítico, racial, visceral e inspirador de James Baldwin— e outros projetos. Na Chuva de Livros, por exemplo, são distribuídos de porta em porta livros arrecadados pelo movimento.

É um serviço de caráter público de estímulo à leitura e formação de poetas, escritoras e escritores periféricos. 

“O sarau da Cooperifa é quando a poesia desce do pedestal e beija os pés da comunidade. Porque as referências que a gente via na literatura eram os clássicos, até eu conhecer Carolina Maria de Jesus”, afirma Vaz, se referindo à grande escritora negra que começou a escrever seu diário na favela do Canindé, em São Paulo e, mesmo após sua morte, ainda é (e sempre será) uma das autoras brasileiras mais lidas no mundo.

Nos encontros no espaço, as pessoas podem declamar seus versos, provocar os demais companheiros e companheiras de palavras e até mesmo aqueles que, para participarem de outros projetos, como o campeonato de futebol de várzea masculino e feminino, precisam bater ponto no local e acabam se apaixonando pela literatura. 

É realmente um trabalho notável, dado que não se estimula nenhuma transcendência pelas letras e artes em espaços periféricos, onde o próprio projeto urbanístico segrega do convívio social e cultural da cidade. 

O sucesso do projeto tem demonstrado que há demanda para espaços como esse. Sérgio Vaz é poeta autor de oito livros de poesia e na sua conta do Instagram (@poetasv) publica outros tantos instigantes poemas. Vale dizer que ele também concorre ao prêmio Jabuti deste ano pelo seu projeto “Poesia Contra a Violência”. 

“Outro dia fui numa escola e perguntaram como eu poderia ser escritor se todo escritor já morreu. Aí pensei: ‘Pode ser que eu morra também e o moleque não me conheça’. A gente tem que escrever para nosso povo, nosso povo precisa de nós. Então hoje vou na rua, o moleque que entrega panfleto me conhece, o guarda carros me conhece. Já vendi mais livros que o Paulo Coelho na minha rua”, brinca.

Vaz emenda com uma frase que marca a preciosidade da pessoa leitora no Brasil, sobretudo em tempos tão difíceis: “Nosso trabalho é este, difundir a palavra, democratizar a literatura. Então para nós, agora, sagrado não é quem escreve, é quem lê”. 

De fato, sagrado é quem lê e consegue ter despertar para o que acontece à sua volta. É um processo delicado, sobretudo em um país no qual a leitura e a cultura para a população mais precarizada são negadas, como se fossem uma fruta proibida —essa fruta que tem o poder de despertar as pessoas para a realidade que as cerca.

É um processo integrativo com a comunidade, um convite para que as pessoas se sintam à vontade e cheguem aos poucos, tateando o trabalho constante de base e de conscientização: “Para que a gente faça com que nosso povo leia na quebrada, a gente precisa entender como a quebrada quer que o livro chegue até ela, porque senão a gente vai reproduzir um modelo de intelectualidade dentro da quebrada, se achando especial.”

O pequeno bate-papo ocorreu durante minha participação na 12ª Mostra Cultural da Cooperifa, que continua até o domingo (27), quando se encerra com um show de fazer qualquer um dançar, com as participações de Leci Brandão, Ilu Obá de Min, Edi Rock, entre outros. 

Será na Fábrica de Cultura Jardim São Luís (r. Antônio Ramos Rosa, 651). Para o evento, foram disponibilizados ônibus para alunos da rede pública de ensino de São Paulo. Em tempos de tantos cortes na educação, iniciativas como essas devem ser festejadas.

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