Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Djamila Ribeiro

Aline Wirley mergulha no seu lado 'mulher selvagem' com novo álbum, 'Indômita'

A artista conta sobre o processo de elaboração do disco, o primeiro com músicas autorais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mesmo em um cenário tão desafiador para o circuito cultural quanto o vivido atualmente, algumas artistas conseguem pôr de pé projetos lindos que merecem ser conhecidos.

Um deles é o mais recente trabalho da grande cantora Aline Wirley, que acaba de publicar seu álbum “Indômita”. Com oito faixas, a obra mergulha na mulher selvagem e nos provoca reflexões e viagens junto à melodia e à poderosa letra.

“Indômita”, disponível nas plataformas de música e vídeo na internet, é, além do nome de uma faixa, o título do álbum que traduz com maestria o que Wirley traz após muito tempo de trabalho.

Em entrevista exclusiva para essa coluna, a artista conta sobre o processo de elaboração do álbum, o primeiro com músicas autorais, que começou há três anos em um processo de autodescoberta entre a dedicação a seu filho Antônio desde o nascimento até o desmamar.

“Foram dois anos me dedicando 100% à maternidade. Esta que me consumiu por inteiro, me remexeu por dentro, me desafiou e me fez entender na prática o poder que nós mulheres temos. O poder da cocriação, de incubação, o poder de superar nossos próprios limites em prol de nossas crias e a capacidade de entregar a sua vida para outra florescer. E, apesar de ser um processo divino, ele não é fácil. Ele dói, cansa e rasga o véu da ilusão de que temos o controle de tudo”, conta Aline Wirley.

“Onde vive a mulher selvagem?”, pergunta Aline em seu álbum. Em seu brilhante livro “Mulheres que Correm com os Lobos” (Rocco), Clarissa Pinkola Estés nos convoca a rememorar essa mulher, tão combatida pela tentativa de domesticação.

“Todas nós temos anseio pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração. Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos. No entanto, o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite”, afirma Estés em uma das passagens de sua obra.

Com muita coragem em se expandir, Aline Wirley não nega seus desafios, mas, a partir de sua jornada ancestral, mergulhou em seu álbum e descobriu outros mundos.

“Eu, mulher, preta, filha, mãe, esposa, artista, fui confrontada com todas as expectativas de uma mulher que caminha rapidamente para os 40 e que ainda tem questões primordiais a serem respondidas. Diante de uma nova essência que nascera junto com a chegada do meu filho, me vi forçada a transformar paradigmas enraizados, para que eu pudesse me olhar com mais amor e honestidade. Era preciso encontrar o meu lugar de fala na minha arte e foi um processo difícil. Olhar pra minhas sombras, reencontrar meus ancestrais, encontrar o divino nas pequenas coisas, invocar meu instinto e assumir para mim mesma quem eu sou, foi uma viagem sem volta.”

Luzes, cristais, pérola, escuridão. Aline Wirley, como uma artista independente, vinda de um lugar social das mulheres negras, enfrentou muralhas postas por um sistema avesso às transformações de paradigmas. Entretanto, com a fé em sua verdade e apoio de sua família, sobretudo de seu companheiro Igor Rickli, persistiu mesmo havendo muitos motivos para desistir.

“De 2017 para cá, desisti algumas vezes. Desisti por medo de expor um outro lado meu, desisti por falta de incentivo financeiro, visto que sou uma artista independente, desisti por achar que não teria espaço no mercado para mim. Mas a sensação que eu tinha, era que desistir de ‘Indômita’ significava desistir de uma parte de mim. Chorei muito no colo do meu marido, que esteve o tempo todo ao meu lado e não me deixou cair” , afirmou.

O resultado de sua fé e seu trabalho está aí para ser ouvido. Uma arte com propósito, como deve ser. No caso de Aline, o propósito é uma convocação às mulheres a inflamarem suas existências e se deixarem levar pelo descontrole do fogo.

Um propósito de louvar a mulher selvagem que existe dentro de nós. Indomável, indomesticável, fascinante. Um convite à vida como deve ser vivida, com o ardor das chamas a incandescer nossa alma, ao mesmo tempo que com a fluidez de um rio. É com as bênçãos das grandes mães, que tanto podem ser fogo quanto da água, que uma das mais encantadoras de nossas irmãs entregou esse belo trabalho, mais um de sua carreira de grande sucesso.

“Hoje, com o trabalho na rua, me sinto realizada artisticamente e pessoalmente. Foi um parto lento e dolorido, mas ‘Indômita’ está no mundo. Eu acredito na arte que transforma, que questiona, instiga e cura. E ‘Indômita’ é assim, indomável como a curva de um rio.”

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.