Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Dou apoio à greve das professoras do ensino público de São Paulo

Nossos governantes esperam que essas educadoras deem conta de uma tragédia anunciada

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Conversei com a grande pensadora negra brasileira Claudete Alves, professora do sistema público e presidente do Sindicato dos Educadores da Infância. Ela é uma entre tantas profissionais que estão em greve contra a volta às aulas no ensino público.

Organizadas em sindicatos e associações, essas profissionais estão chocadas com a determinação de retorno, sobretudo em um momento no qual a pandemia se mostra ainda mais caótica, com recordes de mortes e contaminações.

Nesta semana, o governador João Doria anunciou recrudescimento de medidas de restrição, encampando todo o estado de São Paulo como zona vermelha. Por isso, causa preocupação que escolas sigam abertas, expondo as profissionais, as crianças e as famílias em geral à disseminação do vírus. Se o estado declarou fase vermelha, qual o sentido para o funcionamento das escolas?

Três mulheres negras, de diferentes tonalidades, erguem punhos e usam máscaras faciais
Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro, publicada em 3 de dezembro, na Folha de S.Paulo - Aline Souza

A pandemia traz cenários inimagináveis, alterações em planejamentos e há pressão para o retorno das aulas. É certo que, ao olharmos para o quadro escolar, não podemos cometer o equívoco de equiparar as escolas de ensino particulares, algumas delas de enorme infraestrutura, com as escolas de educação infantil na periferia de São Paulo.

Entretanto, muitas escolas particulares que voltaram às aulas presenciais no começo do ano já suspenderam novamente as atividades após surto de coronavírus. Se assim é onde há uma suposta estrutura para comportar alunos e alunas em distanciamento, o que dirá das escolas precarizadas.

O que se sabe é que, no que depender das professoras da rede infantil, a greve continuará. Claudete apontou, ainda, a dificuldade particular na educação infantil em manter as crianças em distanciamento e com os protocolos de segurança. Uma tarefa impossível colocada nas costas da pessoa educadora, a qual ainda é exposta à doença e, consequentemente, seus familiares.

A verdade já é sabida: o próprio secretário de Saúde de São Paulo defendeu a suspensão das aulas. Posteriormente, foi obrigado a reiterar que era uma opinião pessoal (que deveria ser relevante, posto que secretário), não tendo influência na política do governo.

A questão é que no meio deste caos de internações e mortes, manter as aulas presenciais é uma postura irresponsável, e essas educadoras estão corretas em se mobilizarem no movimento grevista. As aulas presenciais não podem voltar. Lamentamos, mas é a verdade.

Ninguém ignora o papel das escolas públicas em fornecer refeições para alunos e alunas que dependem, como suas famílias, dessa fonte de alimentação. Entretanto, é possível manter e até mesmo ampliar essa política de assistência social sem o retorno às aulas.

Quanto às aulas, a pandemia proporcionou um cenário no qual houve aprofundamento entre o progresso de alunos e alunas de rede de ensino pública e privada. Em regra, estudantes da rede privada têm acesso à internet, ao celular e a plano de telefonia para a teleaula. Com todos os limites desse método, é uma alternativa válida para os tempos atuais.

Agora, e o estudante da rede pública? Bom, muitos não têm acesso digital, logo estão estagnados, sendo diretamente prejudicados pelas ausências de políticas de educação.

Se há TV aberta e grande parte das famílias brasileiras a possui, por que não foram abertos ainda canais de televisão com grade curricular?

Se as pessoas têm rádio, onde estão as aulas nesses veículos? As iniciativas existentes deveriam ser expandidas para alcance nacional. Se todo mundo sabe que a Karol Conká estava no BBB, por que não podem ter acesso a uma grade curricular de qualidade? Medidas emergenciais são possíveis.

Mas, ainda assim, são insuficientes. Vamos aprofundar mais para perceber o tamanho do buraco.
Para acesso a televisão, rádio, computador é necessária energia elétrica. E se o desemprego nunca foi tão alto e, de outro lado, empresas de energia têm lucros especulados nas Bolsas do mundo, a necessidade de isenção de conta de luz para a população tromba no Estado desmontado. O mesmo vale para água, telefonia e tudo que foi sendo sucateado em troca de promessas de melhoria econômica e geração de empregos que nunca vieram.

Incapazes de fazer a reflexão necessária em um momento de crise sem precedentes, acovardados ou até integrantes dessa ordem econômica, nossos governantes esperam que as educadoras deem conta dessa tragédia anunciada.

Não darão e nem devem ser obrigadas a isso. Todo apoio à greve das educadoras do ensino público de São Paulo.

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