Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Precarização da UFRJ é parte do projeto de ódio de quem se define como patriota

Nação que ignora sua produção de ciência caminha rumo à ampliação das desigualdades no Brasil

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Parece óbvio e é —a nação que precariza sua produção de ciência caminha rumo à ampliação das desigualdades, pois prejudica grupos que dependem do sistema público para cursar uma universidade e pesquisar, como também caminha rumo à redução de sua soberania, uma vez que precariza a inovação, a tecnologia e a formulação de políticas públicas.

Nesse sentido, o cenário no Brasil é muito grave, com desmonte sistemático de seu sistema educacional e de suas bases de pesquisa. O Ministério da Ciência e Tecnologia perdeu 34% da sua verba anual, atingindo todo o desenvolvimento e incentivo a pesquisas.

Desde 2016, ano do fatídico impeachment de Dilma Rousseff, a área vem sofrendo uma hemorragia em seu orçamento.

Jovem negra cientista analisa planta ao lado microscópio
Ilustração de Aline Souza para a coluna de Djamila Ribeiro publicada na Folha de S.Paulo, em 14 de maio de 2021 - Aline Souza

Segundo Breiller Pires, do El País, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que formam a maior parte do investimento no setor, experimentaram cortes drásticos.

A Capes tinha R$ 4,2 bilhões no primeiro ano do atual governo e, neste ano, R$ 3 bilhões.
Milhares de bolsas permanentes de pesquisa foram cortadas e, em 2021, só 12% dos projetos de pós-doutorado vão receber bolsas. Já o FNDCT perdeu mais de R$ 4,8 bilhões.

Na pasta da Educação, os cortes têm consequências insanáveis, gerando ciclo de precariedade e estagnação social. As universidades federais, polos de pesquisa, estão por um fio.

Nesta semana, o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a maior do país, afirmou que a instituição está sob sério risco de fechar a partir de julho. Em 2012, o orçamento foi de R$ 773 milhões. Atualmente, são R$ 299 milhões, o que a impede de honrar contratos e continuar aberta.

Segundo a reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, em cinco anos, a instituição perdeu R$ 100 milhões.

Federal da Bahia, Federal de São Paulo, Federal de Goiás, Universidade de Brasília: todas já externaram a realidade do iminente fechamento.

A precarização desses polos alimenta um ciclo de demissão, pobreza e impossibilidade de acesso ao ensino superior que atinge a população negra.

Como afirmei em meu “Pequeno Manual Antirracista”, pessoas negras têm menos condições de acesso a uma educação de qualidade.

A Lei de Cotas para universidades federais, aprovada em 2012, foi um importante avanço, porém esses ambientes seguem servindo a uma minoria dentre os pertencentes a um grupo empobrecido ao longo da história, o que significa dificuldade não apenas para ingressar, como também para permanecer.

Some a esse ataque à ciência e à educação, as questionáveis indicações do governo, que nomeia negacionistas como gestores de fundos e força a nomeação de reitores e reitoras não eleitos e sem legitimidade na comunidade acadêmica, mas que são alinhados a um projeto ideológico que nega a produção de ciência, inclusive na saúde, em plena pandemia.

O avanço do desmonte dessas pastas é desanimador. Mais uma reforma, a administrativa, é anunciada como solução.

Como as reformas trabalhista e da Previdência, ela vem com uma série de promessas de geração de empregos e de grandes maravilhas, mas entrega o contrário: a precarização da sociedade brasileira.

Não há outra opção, dirá algum incompetente ministro. Como mulher negra, venho de um lugar social em que fazemos equações matemáticas no mercado cada vez mais caro, que se equilibra para criar os filhos e pagar o aluguel, ganhando o menor salário da sociedade e trabalhando mais do que qualquer um.

Alimentamos mais bocas do que conseguimos, queimamos o primeiro bolo no serviço para levá-lo para casa e jogamos água no feijão, habilidades que economista algum jamais experimentou. Agora, ainda em número muito baixo perto do ideal, ocupamos as universidades, finalmente, e encabeçamos produção de conhecimento, pesquisas invisibilizadas ao longo da história, e isso incomoda.

A restrição de orçamento na educação e na pesquisa é um desinvestimento a ser sentido no presente, mas sobretudo no futuro, quando então só uma elite e pretensa elite econômica medíocre conseguirão permanecer na universidade, além de representar perda de competitividade em relação a outros países cuja gestão nessas áreas é estratégica e inteligente, o que afeta a posição geopolítica do país.

É um projeto de ódio ao país, chegando a ser no mínimo curioso que as pessoas que o implementem se considerem patriotas.

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