Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Margareth Menezes, a rainha do axé brasileiro, é um ícone a ser festejado e valorizado

Cantora baiana nunca cantou músicas depreciativas para a população negra, como 'Nega do Cabelo Duro', de Luiz Caldas

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Hoje quero pedir a bênção e aplaudir uma das maiores cantoras e compositoras brasileiras de todos os tempos. Com 34 anos de carreira, sucessos em listas prestigiadas de world music, shows em mais de 30 países, presença em grandes festivais internacionais, autora de composições musicais de valorização do povo negro brasileiro, Margareth Menezes é um grande ícone a ser festejado.

Ao longo da minha vida, acompanhei seus shows e carreira, inclusive a sua iniciativa como atriz, estrelando a recente série “Casa da Vó”, dirigida por Licínio Januário e disponível na Wolo TV, plataforma de streaming dedicada a narrativas negras. Em uma live com a feminista negra Carla Akotirene para a Vogue Brasil, pude conhecê-la um pouco mais.

Nascida em Salvador, Margareth é filha de Adelício Soares da Purificação e de Diva Menezes da Purificação, família que, na educação dela, a mais velha de cinco irmãos, fez um grande investimento para que frequentasse o Centro Integrado de Educação Luiz Tarquínio. Como acontece com muitas meninas negras em situação similar, Margareth experimentou a solidão institucional, sendo a única menina negra de sua classe.

Foi lá também onde teve experiências decisivas para sua vida, como frequentar o grupo de teatro, em que se engajou politicamente e onde pôde se formar em artes plásticas. Ela estava destinada a ser uma cantora desde criancinha, frequentando corais e cada vez mais enveredando pelo caminho brilhante como artista para orgulho do pai, morto em 2009.

Contudo, sua grande inspiração estava em casa, na costureira e cozinheira de mão cheia, amada pela comunidade, sua mãe, dona Diva Menezes. É para ela que Margareth dedica a música de seu recente álbum “Autêntica”, título que não poderia combinar melhor com quem é. Disponível em todas as plataformas, o álbum traz a música “Minha Diva, Minha Mãe” que homenageia sua guardiã, que morreu em 2018.

ilustração de mulher negra com argolas e blusa verde
Ilustração de Aline Souza para a coluna de Djamila Ribeiro de 2 de julho de 2021 - Linoca Souza/Folhapress

No samba-reggae, em 1987, fez história gravando o primeiro registro fonográfico da história. A convite de Djalma Oliveira, registrou a música composta por Luciano Gomes “Faraó Divindade do Egito”, sucesso até hoje em festas e shows em todo país (“eu falei faraó...”). Pouco tempo depois gravou “Uma História de Ifá”, que é mais conhecida por “Elegibô”, que na tradição das religiões de matriz africana é o título de Oxaguiã, orixá da criatividade e da luta rebelde incessante pela dignidade do povo negro.

É uma história que marca o que é o Brasil: na época dos grandes radialistas, a música de Margareth foi rejeitada mesmo sendo levada até eles por gravadoras, segundo a cantora —quando tocava na rádio, as pessoas ligavam pedindo para tirar. Foi aí que David Byrne, grande cantor e produtor escocês, ouviu e chamou Margareth para abrir seus shows em uma turnê internacional e gravar “Uma História de Ifá” no exterior, ficando por 11 semanas em primeiro lugar na lista Billboard World Music nos Estados Unidos.

Outa marca importante da sua carreira é que nunca cantou músicas depreciativas para a população negra, como a nefasta de Luiz Caldas de 1985, que assombrou gerações de mulheres negras que tiveram que ouvir em todos os lugares, “Nega do Cabelo Duro”.

Em uma entrevista, ela explica o porquê de nunca ter cantado a música, mostrando como o lugar de onde partimos na sociedade nos traz um outro ponto de vista. “Eu vou cantar isso para o meu povo que está indo ao show para ter um pouco de alegria? Eu não podia fazer isso, porque isso para mim dói. Eu respeito minha mãe, respeito minhas irmãs, respeito as mulheres que eu conheço. Viver tem luta, tem resistência, nossa vida tem um valor muito grande. Pessoas morreram por nós, morreram para estarmos aqui.”

Falando como admiradora, foi profundamente emocionante quando, em 2020, Margareth, durante uma live comigo, me surpreendeu cantando uma música que compôs para mim chamada “Djamila, Ribeirão de Luz”, na qual narra momentos importantes da minha vida e minha relação com a minha avó, sem saber que eu estava trabalhando em um livro de memórias sobre isso.

Sem dúvida, foi um dos momentos mais marcantes da minha vida, esse cuidado, admiração mútua e reconhecimento entre mulheres negras de diferentes gerações.

E é com essa ética, com o talento da inventividade e potência de sua voz que Margareth Menezes marca seu nome como a grande rainha do axé brasileiro.

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