Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Twitter

Twitter e YouTube não se importam em lucrar com misoginia e racismo

Publicações de militante de extrema direita que violam o Estatuto da Criança e do Adolescente permanecem nas redes

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Nesta semana, completou-se um ano da divulgação da identidade de uma menina negra de dez anos engravidada por um tio que buscou seus direitos de aborto legal. Seu nome foi exposto por uma “militante de extrema direita” que, na sua conta do Twitter, violou o Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outras leis.

O fato ganhou ampla repercussão. A conta do Twitter da tal militante de extrema direita estava ativa para acesso geral mesmo com histórico de anos de mensagens falsas. Ela, inclusive, havia sido presa pouco tempo antes por causa dos atos antidemocráticos contra o Supremo Tribunal Federal. Mas mesmo antes disso, havia uma longa lista de episódios de narrativas de violência e exposição.
Pois bem. Não satisfeita, também divulgou o endereço do hospital onde a menina faria o aborto legal.

duas mãos segurando smartphones, que exibem símbolos de like na tela
Publicada em 19 de agosto de 2021 - Linoca Souza

No YouTube, essa mesma pessoa passou a fazer vídeos ao vivo repercutindo o caso, enquanto uma horda perseguia a menina no Espírito Santo, estado onde morava, e depois em Pernambuco, para onde foi transferida.

Cientes de onde a menina estava, pessoas se reuniram na porta do hospital, onde passaram a gritar e impediam médicos, médicas, enfermeiros, enfermeiras de entrarem no hospital. Foi um circo armado e repercutiu no Twitter, onde as palavras “estupro”, “aborto” e o nome da militante se confundiam com anúncios diversos, como “assista a nova série x”. A banalidade do mal.

As cenas foram de desistir desse país que criminaliza o corpo das mulheres, mas lida muito bem com homens que fazem filho e abandonam. Que ainda hoje julga as mulheres que fazem aborto e as condenam à ilegalidade, levando um número altíssimo de mortes pelo procedimento inseguro. E pior de tudo é que naquele hospital estava uma menina de dez anos de idade, uma criança que entrou no hospital com uma girafa e um sapo de pelúcia.

Mais tarde, nesta Folha, foi revelado que a “ministra das mulheres e da família” mobilizou a máquina pública para pressionar a menina e sua avó para que o aborto não fosse feito. A matéria conta uma visita hostil à casa da avó da criança, um retardo de alta no Hospital do Espírito Santo ligado à igreja onde a ministra é pastora e a coincidência incrível entre a chegada da criança no Recife e a revelação pela militante —e então pupila da ministra— da identidade e endereço nas redes.

Enojada com aquela completa banalização da violência, do episódio trágico que envolvia uma criança e a falta de responsabilidade completa com ela, sua família, os profissionais da saúde e a sociedade em geral, percebi como muito dinheiro foi feito nas empresas de redes sociais naquele final de semana com base em um crime contra uma criança. O fluxo aumentou, as informações estavam lá para acesso geral, as pessoas compartilhavam, instrumentalizando a vida de uma criança para ganhar likes.

Nesta mesma Folha, perguntei: qual valor seria destinado à menina e sua família dos lucros auferidos pelo Twitter naquele final de semana em que a empresa a teve como uma garota propaganda involuntária?

Algum tratamento, acompanhamento psicológico, alguma indenização seriam devidos pelo fato de a plataforma ter se servido como praça pública onde a militante pendurou a identidade e o local onde estava a menina e onde pessoas se reuniram para levar essa exposição ao assunto mais comentado da rede?

É a exploração econômica do racismo e da misoginia enriquecendo essas empresas que lucram com o ódio. Até hoje não obtive resposta para essa pergunta, que também se estende ao YouTube, onde a militante fez vídeos ao vivo incentivando a repercussão do caso, enquanto a horda gritava na porta de um hospital. Atualmente, ela tem conta ativa no Facebook e no Instagram.

Voltando ao Twitter, o perfil da militante seguiu para acesso amplo e só foi tirado do ar por determinação da Justiça do Espírito Santo. Até lá, a empresa permitia a presença do perfil.

Vale dizer que o Twitter se amparou no Marco Civil da Internet para manter o perfil ativo, mas perguntamos: precisa mesmo uma decisão judicial para excluir a conta de quem está cometendo um crime contra uma criança? Será que o Marco Civil da Internet está atualizado para as dinâmicas dos tempos contemporâneos? Evidentemente, entendo que não.

A verdade é que esse caso hoje não é mais comentado. Virou um assunto do passado, a menina e sua avó que lutem, o dinheiro que fizeram em cima delas foi distribuído em uma bolsa de valores, num lugar bem distante do Espírito Santo.

A ministra segue seu projeto a serviço do governo e quem ainda se preocupa com o escatológico que toda essa situação evidenciou sou eu, você e, quem sabe, instituições sérias que ainda existam nesse país para responsabilizar as plataformas de redes sociais pelo que fazem e deixam de fazer. Com a palavra, o MPF?

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