Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu

Não admitirei ser reduzida a 'pessoa que menstrua' pois sou sujeito político

Expressão limita mulheres a funções biológicas, algo que, como feminista negra, vejo como ofensivo

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Dada a repercussão do último texto, penso ser necessário fazer alguns apontamentos. Para quem não acompanhou a última coluna, escrevi sobre como a expressão "pessoas que menstruam" reduzia mulheres a funções biológicas, algo que, como feminista negra, vejo como ofensivo.

Minhas antepassadas escravizadas foram desumanizadas pelo uso do racismo e sexismo biológicos que as confinaram no lugar de força física e reprodutora pelos senhores coloniais. Entendia ainda que a expressão dilui mulheres e homens trans nessa categoria, contribuindo para um apagamento de lugares sociais e uma universalização de experiências distintas.

Me afirmei como mulher, com a compreensão de que não posso ser e nem admitirei ser reduzida a um órgão, a uma função biológica, por me reconhecer como sujeito político.

Na ilustração, de fundo verde claro, duas mulheres negras estão dançando, uma de frente para a outra, elas usam os cabelos crespos presos e usam vestidos de tom alaranjado.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro - Aline Bispo

Vi algumas respostas a esse texto. Algumas diziam que eu havia sido transfóbica por ter negado a existência de pessoas trans. Eu não sei como essas pessoas que li puderam interpretar isso, uma vez que no próprio texto falo sobre homens trans. Simplesmente recuso o termo "pessoas que menstruam", pois considero que restringe tantos mulheres como homens trans à biologia.

Outros afirmaram que nego a existência de mulheres trans e gostaria de saber também onde faço isso, seja naquele texto, ou em qualquer trabalho assinado por mim. Aliás, negar o sexismo biológico não é um dos fundamentos elementares do ser mulher trans?

Dito tudo isso, eu realmente tenho problemas com quem tenta se fazer em fio de Twitter ou vídeo de YouTube. Com o perdão do trocadilho, pessoas que menstruaram ontem acham que podem insultar, debochar do nome, endossar táticas coloniais e chamar tudo isso de "crítica".

Para além de ser vulgar, um oportunismo barato, instrumentalizar um debate para tentar promover assassinato de reputação e autopromoção tola, é mostra de ausência de consciência e formação política.

Não fiz uma conta na rede social e me autoproclamei ativista. Fui para a base de quem chegou antes e trabalhei pelo projeto coletivo de luta pela melhoria de vida da população negra, sobretudo das mulheres negras.

Participei e ajudei a organizar plenárias, convenções, seminários de organizações da sociedade civil para orientar políticas públicas e sei que nada, incluindo denominações a grupos sociais, poderia ser utilizado sem o referendo do grupo social "neodenominado".

Se os homens trans decidiram coletivamente pelo uso do termo, nos cabe respeitar, mas o mesmo direito precisa ser dado às mulheres. O termo vem sendo usado por marcas de calcinhas absorventes e realmente gostaria de entender se essas empresas consultaram as mulheres sobre.

A participação social é fundamental para a construção dos processos democráticos. Quero aqui relembrar a importância das conferências como uma importante interlocução entre Estado e sociedade civil organizada para a construção de políticas públicas.

O presidente da República, por meio do ministério, secretaria e conselho correspondentes à determinada política, convoca as conferências nacionais e convida os municípios, estados, sociedade civil e os diversos poderes constituídos a participar do processo de construção.

Há a organização das conferências municipais, que elegem suas delegadas(os), depois os Estados fazem o mesmo até chegar no nível federal. Há a formação de grupos de trabalhos para debater as pautas e elaborar as propostas que serão votadas em plenária.

Obviamente que há muita tensão, visões divergentes, dissenso, próprios da história dos movimentos sociais e governos, mas são as dores e as delícias dos processos democráticos. Podemos citar as Conferências Nacionais de Saúde, Assistência Social e o grande marco que foi a primeira Conferência de Políticas Públicas para Mulheres realizada em 2004 durante a primeira gestão Lula, quando foi elaborado o Plano Nacional de Políticas para Mulheres.

As delegadas eleitas têm direito a voz e voto e podem ser convidadas pessoas com notório saber sobre os temas a serem deliberados. Segundo especialistas, houve uma redução drástica de conferências na gestão Bolsonaro, mas o presidente eleito Lula, em seu discurso de vitória, anunciou que trará de volta as conferências nacionais.

Teremos excelentes oportunidades de debater, discordar, votar e decidir quais serão as diretrizes em termos de políticas públicas para a saúde, direitos das mulheres, pessoas trans, juventude e outras áreas. São nesses processos democráticos em que acredito, assim como nas divergências teóricas saudáveis próprias da dialética.

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