Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Amelinha Teles, torturada pela ditadura, continua lutando pelo Brasil

Candidata a honoris causa pela Unifesp, guerrilheira feminista ainda tem importante produção literária

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Em 2018, dois dias antes do segundo turno da eleição mais sombria da nossa história, estive em Campinas, no interior de São Paulo. Fui convidada por Amelinha Teles para ministrar uma formação para as promotoras legais populares, as PLPs.

As promotorias populares foram inspiradas em mobilizações na América Latina e são, no Brasil, um projeto que conta com coordenação de Amelinha por meio da União de Mulheres, organização independente fundada por ela e outras companheiras há mais de 40 anos.

Ao centro da ilustração de fundo rosa claro, está o retrato de Amelinha Teles. Ela é branca, tem cabelos grisalhos e curtos, usa óculos com armação de cor vermelho escuro, uma blusa vermelha e um lenço verde ao redor do pescoço.
Publicada nesta quinta-feira, 1º de setembro de 2022 - Linoca Souza

O projeto envolve educação popular feminista para mulheres em todo o estado de São Paulo, contribuindo de modo fundamental para o enfrentamento à violência contra a mulher e para o fortalecimento de lideranças femininas em comunidades vulnerabilizadas.

Sua disposição para organizar aquele encontro era fascinante, e vi a emocionante premiação dessas mulheres. Fiz a conclusão de um ciclo de formação e aquele dia era a formatura. Eram mulheres da Grande São Paulo, do Vale do Ribeira, da Baixada Santista, do norte do estado, de todos os lugares, empoderadas para seguir o trabalho feminista de base.

Em um fim de semana tão triste para a história do país, tomar contato com aquela movimentação que produz impactos em prol de todas as mulheres me renovou de esperanças. A eleição estava dada, mas ali respirava a resistência. São ares de liberdade que deveriam ser respirados por todos e todas que cultivam a linda árvore da esperança.

Conto essa história porque li o artigo do jornalista Camilo Vannuchi publicado no UOL informando que Amelinha é candidata a honoris causa pela Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp.

Vannuchi afirma ter assinado o manifesto em defesa da outorga do título a Amelinha com satisfação e lembrou sua trajetória única, com a qual muitas pessoas tomaram contato no programa eleitoral de Fernando Haddad, naquele mesmo triste 2018.

Ali, para todo país, Amelinha contou o episódio mais duro de sua vida, quando foi vítima de tortura nos porões do antigo DOI-Codi, sob comando do então major Brilhante Ustra.

Amelinha foi torturada por Ustra na frente dos filhos de quatro e cinco anos de um modo brutal, assim como também foi torturado seu marido, César Teles, morto há alguns anos e que deixou muita saudade. Sua irmã Crimeia foi torturada grávida de sete meses. Teve o filho estando encarcerada e somente pode vê-lo 53 dias depois, desnutrido e dopado. Em nome desse torturador, o atual presidente dedicou seu voto no "impeachment" de Dilma Rousseff, outra mulher torturada por ele.

Mas a maior derrota dos infames torturadores e de seus adoradores foi não terem quebrado o espírito de Amelinha, que, mesmo submetida por meses ao mais desumano dos tratamentos, saiu do cárcere e seguiu militando por dias melhores neste país. Também não quebraram o espírito de ninguém da família Teles. Ao lado de sua irmã Crimeia, parceira de vida até hoje, Amelinha se engajou na imprensa feminista e criou o jornal Brasil Mulher.

Sobre a imprensa feminista, Amelinha tem uma produção literária canônica. Sua obra "Da Guerrilha à Imprensa Feminista: A Construção do Feminismo Pós-Luta Armada no Brasil (1975-1980)", escrita com Rosalina Santa Cruz Leite e publicada pela editora Entre Gêneros em 2013, deveria ser leitura obrigatória em cursos de graduação e pós-graduação que passem pela história do jornalismo e da luta pelos direitos das mulheres no país.

Vale também destacar seus outros títulos "Breve História do Feminismo no Brasil", de 1993, e "O que É Violência contra a Mulher", da histórica coleção Primeiros Passos, ambos publicados pela editora Brasiliense.

Na política, é impossível dimensionar as contribuições de Amelinha Teles para a luta pela memória e pela verdade neste país tão afeito a não ter nem memória nem verdade. A família Teles foi autora da ação judicial que reconheceu Brilhante Ustra como um torturador, algo pioneiro na Justiça brasileira.

Foi articuladora da Comissão Nacional da Verdade e é uma ferrenha defensora da preservação do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, o Caaf, da Unifesp, voltado a investigar as ossadas da vala de Perus, cemitério clandestino da ditadura militar, bem como outros casos que exigem respostas.

A outorga de honoris causa é uma honra da Federal de São Paulo e um título merecido a esse gigante, imensa e transcendental guerrilheira feminista do país. Viva Amelinha Teles, viva o feminismo brasileiro!

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do afirmado em versão anterior desta coluna, o jornal Brasil Mulher foi criado por Joana Lopes e Therezinha Zerbini, não Amelinha Lopes. O texto foi corrigido.
 

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