Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Estado precisa regulamentar as redes sociais

Empresas não se responsabilizam pelo antro de ódio que se ergue nesses espaços

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À distância, acompanhei com o coração apertado as notícias sobre o ataque a faca por um aluno da Escola Estadual Thomázia Montoro, que feriu cinco pessoas e matou a professora Elisabeth Tenreiro Moraes Barros.

A professora Elisabeth, conhecida carinhosamente como professora Beth, ou Betinha, era uma educadora querida por seus colegas de trabalho, alunos e alunas, que tinham por ela respeito e admiração; contava também com o amor da comunidade carnavalesca Tom Maior, que chora a partida de uma de suas mais velhas integrantes.

Prestou concurso e se tornou professora aos 60 anos, deixando uma lição eternizada na voz de Milton Nascimento de que "os sonhos não envelhecem". Era uma missão, disse uma de suas filhas. Deixa saudades em seus três filhos e quatro netos, a quem enviava inúmeras mensagens de carinho em sua rede social, em meio a outras mensagens de incentivo à vacinação contra a Covid.

Minha homenagem e solidariedade à sua família e às pessoas queridas. Ficam as saudades, mas também o legado de Beth da vida em alegria, da defesa da ciência e do amor pela educação.

Segundo noticiou Marie Declercq e Luis Adorno em reportagem publicada no TAB UOL, o atentado foi anunciado e estimulado em comunidades do Twitter, TikTok e Discord. O adolescente estava em um grupo de adoração a ataques violentos a escolas e postou o que faria no dia seguinte. Uma semana antes do ataque, esse mesmo jovem proferiu ofensas racistas a um colega, sendo repreendido por uma professora.

São circunstâncias anteriores a essa tragédia, que nos leva à reflexão e a um necessário debate. Quem me acompanha nesta coluna sabe como são recorrentes textos sobre os perigos da desregulação das atividades dessas empresas de redes sociais, que têm concentrado discursos de ódio sem responsabilizarem-se sobre as consequências. E o pior é que identificamos como o racismo e a misoginia são discursos lucrativos para essas corporações.

Na ilustração, de fundo verde claro, duas mãos negras aparecem segurando um celular.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 30 de março de 2023 - Aline Bispo

Em 2020, em conjunto com organizações do movimento negro, ingressei com uma representação no Ministério Público Federal requerendo providências contra a exploração econômica do racismo e da misoginia por essas empresas. Infelizmente, três anos depois, muito pouco foi feito por aqueles que deveriam representar-nos nos tribunais brasileiros, mas vimos, com satisfação, o crescimento do debate pela regulamentação dessas atividades.

As crianças e adolescentes da sociedade brasileira precisam de tutela. Se até os 18 anos não podem exercer uma série de atividades, como admitir a completa negligência para a criação de uma conta e seu uso na rede social?

As redes sociais são infestadas de jogos e de outros mecanismos para manter a criança e o adolescente online. Um ambiente pretensamente jovem, hipnotizante, que ilude seus "consumidores", que não são alertados sobre os riscos dessa relação.

Defendemos que adultos devem ser constantemente alvos de campanhas de conscientização. Agora, em relação a crianças e adolescentes, a desproteção é uma covardia. São seres humanos em desenvolvimento, expostos a um ambiente de discurso de ódio contra populações vulnerabilizadas; expostas, em muitos casos, como alvos desses mesmos discursos. Não podemos mais admitir isso.

Conforme apontam inúmeras pesquisas —e aqui destaco a obra "Discurso de Ódio nas Redes Sociais", do professor Luiz Valério Trindade—, a maioria dos ataques digitais é direcionada a mulheres negras. Também são direcionados a pessoas negras e mulheres em geral, pessoas LGBTI+, entre outras identidades.

As consequências na vida das pessoas transcendem o que seria um mero tuíte nas mãos de um adolescente desorientado.

Há dois anos, pessoas se reuniram para gritar e intimidar funcionários na porta de um hospital em Recife para intimidar uma menina negra vítima de estupro por um membro de sua família. Os dados da criança foram publicizados nas redes sociais por dias, chegando aos trending topics do Twitter, até ser determinada a retirada das publicações por decisão judicial.

Este é um assunto sobre o qual já escrevi nesta Folha várias vezes, mas a verdade é que poderíamos listar outros casos problemáticos advindos da desregulação da atividade dessas empresas.

O que coloco para reflexão é que a internet não deve nem pode ser "terra de ninguém". É preciso que o Estado brasileiro regule as atividades dessas empresas que lucram bilhões todos os anos e, de forma conveniente, não se responsabilizam pelo antro de ódio que vem sendo erguido nesses espaços.

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