Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu jornalismo

Crítica a Maju Coutinho não passou de oportunismo naturalizado

Jornalista trocou nome de escola de samba e logo corrigiu; que grave, não?

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Nesta semana começou o ano dos brasileiros e brasileiras, como conta certa brincadeira popular de que o país só começa a rodar depois do Carnaval. Melhor dizendo, depois do desfile das campeãs do Carnaval, porque tem os bloquinhos e muitos deles não conhecem a Quarta-Feira de Cinzas.

E, passado "o maior espetáculo da Terra", é preciso saudar as diversas campanhas de conscientização de combate ao assédio contra as mulheres nessa época do ano. Instituições públicas dos três níveis, empresas privadas, blocos de Carnaval se mobilizaram para combater a naturalização com a qual se viola a liberdade da mulher, sobretudo nessa época do ano.

Dada a profundidade do problema no país, episódios revoltantes de desrespeito e violência ficaram evidenciados. Em um deles, um grupo em Salvador cercou uma mulher e a agrediu fisicamente com empurrões, impedindo-a de sair da roda formada por homens que disparavam jatos de água em sua direção. Uma cena horrível, entre tantas que poderíamos destacar e que mostram como, infelizmente, campanhas de conscientização devem seguir firmes.

Uma festa dessa dimensão reproduz o que está no país o ano todo. Alguns casos de racismo ficaram mais evidentes, outros casos passaram naturalizados, despercebidos, exatamente como funciona na sociedade brasileira. Um em particular me deixou incomodada: a "notícia", reproduzida em alguns veículos de comunicação, inclusive, infelizmente, nesta Folha de S.Paulo, de que Maju Coutinho teria tido uma "participação constrangedora" na transmissão deste Carnaval.

Quando a publicação me foi sugerida em um portal, cliquei para saber o que havia acontecido, pois Maju Coutinho é conhecida por ser uma jornalista séria e competente e também porque assisti posteriormente às transmissões e não havia, de forma alguma, algo que justificasse uma manchete tão dura.

Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 2.mar.23
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 2.mar.23 - Aline Bispo

Algo estranho à sua trajetória deveria ter acontecido, pensei. Então, respirei fundo, cliquei para ler e terminei rapidamente, pois tinha apenas um parágrafo. Segundo a reportagem, a "participação constrangedora" se resumiria no fato de que, em um determinado momento de uma transmissão ao vivo de várias horas, a apresentadora trocou o nome da escola de samba Mocidade Independente (de Padre Miguel, no Rio de Janeiro), por Mocidade Alegre, uma escola de São Paulo, corrigindo-se imediatamente.

Que grave, não? A montanha pariu um rato. Em uma transmissão ao vivo são incontáveis os erros de diversos jornalistas na história. Em jornal impresso, quando isso acontece, faz-se uma errata. O que tem de constrangedor nisso? Essa é a pergunta que não quer calar.

Em seguida, a reportagem afirmava que "internautas preferiam" uma outra jornalista, que também estava na equipe de transmissão do Carnaval. A chave de ouro da publicação foi a reprodução de quatro tuítes, um deles de nível subterrâneo, que jamais deveria ser reproduzido em referência a qualquer profissional que fosse; como se comentário grosseiro de Twitter tivesse base argumentativa.

Ao terminar de ler, minha primeira vontade foi a de sugerir ao profissional da imprensa que lesse trabalhos sobre o Twitter e se conscientizasse sobre como essa rede social é um ambiente tóxico, sobretudo quando o conteúdo é sobre pessoas pertencentes a grupos sociais vulnerabilizados, como mulheres e, em particular, mulheres negras —como afirma Luiz Valério Trindade em "Discurso de Ódio nas Redes Sociais", sobre o ódio destilado a mulheres negras em ascensão social.

O meu incômodo maior, contudo, é que não se tratou de uma avaliação de performance, mas de oportunismo naturalizado, porque dizer que algo é constrangedor simplesmente pelo erro que qualquer pessoa pode cometer e que foi corrigido pela jornalista é, no mínimo, leviano. E, ao final, sugerir, com base nisso, que uma outra jornalista da casa ocupasse o lugar de Maju, reveste a reportagem de uma preferência pessoal posta de forma grosseira —e, aí sim, constrangedora—, não de uma crítica relevante de jornalistas que se reputam como sérios deveriam oferecer.

Choca o jornalista abrir mão do profissionalismo, além de se sentir autorizado a expor opiniões vazias de pessoas que sequer são especialistas na área. Igualmente chocante é a repercussão disso por outros veículos, exemplificando aquele ditado "a mentira corre mais que a verdade".

Maju Coutinho merece respeito.

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