Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
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Logun Edé nos ensina que podemos ser múltiplas coisas ao mesmo tempo

Orixá representa a integração das qualidades de seus pais e nos mostra a importância do 'e' na matriz cultural afro-brasileira

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Nas últimas semanas, temos refletido nesta coluna sobre as histórias dos orixás. A série, que já abordou Oxaguiã, Iansã, Oxóssi e Oxum, tem como objetivo contribuir para a aproximação do leitor e leitora deste jornal com a mitologia iorubá.

Interessa-me expandir o repertório de análise a partir das lições e dos arquétipos dessa mitologia. Além disso, em tempos de intolerância religiosa, penso que esse encontro é muito importante para desmistificarmos preconceitos.

Falar sobre as histórias dos orixás também é falar sobre a prática do candomblé. Seus mitos, rituais e estrutura social refletem essa herança, incorporando também influências de outras culturas e tradições que compõem a experiência religiosa afro-brasileira.

Ilustração de fundo vermelho, com a figura do Orixá Logun Edé ao centro, seu corpo está em posição de perfil e ele está com os braços abertos. Uma mão segura um espelho, onde o mesmo se olha e a outra para trás segura um ofá (objeto composto por arco e flecha, utilizado no culto ao Orixá Oxóssi). Ele é negro, sua roupa é amarela e verde azulada, ele usa braceletes dourados e carrega uma capa de pele de onça.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 2 de agosto de 2024 - Aline Bispo/Folhapress

No Brasil, crenças e práticas religiosas de diferentes povos escravizados se fundiram e estabeleceram conexões com perspectivas de povos indígenas e a religião vinda da Europa. Surgiram, então, as religiões do candomblé e da umbanda: únicas e tipicamente brasileiras.

Na coluna desta semana, falaremos sobre o orixá que é filho de Oxóssi, senhor da mata e das caças, e de Oxum, divindade das cachoeiras. Dessa união, nasceu Logun Edé, um orixá príncipe que desde cedo demonstrou possuir habilidades e características únicas.

Como se diz, onde há cachoeira, há mata e esse orixá é o regente desse vínculo. Conta um dos itãs a seu respeito que quando Logun Edé ainda era criança, Oxum e Oxóssi discutiram sobre quem deveria cuidar dele. Oxum queria que seu filho aprendesse a sabedoria das águas, enquanto Oxóssi desejava que Logun Edé se tornasse um grande caçador e protetor das florestas. Para resolver a questão, decidiram que Logun Edé passaria seis meses do ano com cada um deles, aprendendo e absorvendo as qualidades de ambos.

Durante os seis meses em que estava com sua mãe Oxum, Logun Edé aprendeu sobre o mistério e a generosidade das águas doces. Ele se tornou um jovem criativo e afetuoso, capaz de realizações surpreendentes. Nos rios e cachoeiras, ele se sentia em casa, desenvolvendo uma profunda conexão com a magia que corre com as águas.

Nos seis meses que passava com seu pai Oxóssi, Logun Edé aprendeu a arte da caça. Ele se tornou um excelente arqueiro e pescador, capaz de se mover silenciosamente pela floresta. Com Oxóssi, Logun Edé desenvolveu a estratégia e a habilidade para batalhas.

À medida que crescia, ficou evidente que ele era uma combinação perfeita das qualidades de seus pais. Ele possuía a sabedoria, a sensibilidade e a beleza das águas de Oxum, assim como o método, precisão e a fartura de Oxóssi. Logun Edé se tornou um orixá versátil e poderoso, capaz de trazer prosperidade e proteção ao mesmo tempo. Como é popular dizer a seu respeito, ele é o "orixá menino que o velho respeita".

Assim, Logun Edé representa a integração das qualidades de seus pais e também nos mostra a importância do "e" na matriz cultural e espiritual afro-brasileira. Ele nos ensina que podemos ser múltiplas coisas ao mesmo tempo, água e mata, sensibilidade e frieza, flecha e espelho.

Sendo um orixá de diversas faces, as descrições a seu respeito são múltiplas. A dualidade está no centro da reflexão sobre o orixá e abre portas para pensarmos a sexualidade e as múltiplas possibilidades de ser. Nesse sentido, há uma interpretação moderna sobre Logun Edé que tem se popularizado nos terreiros como um orixá que desafia postulados tradicionais de gênero e aponta caminhos para refletirmos sobre a complexidade da identidade.

Ao ser o resultado da união da mata e das águas, Logun Edé também nos mostra a importância da filiação para o candomblé, como vi o professor Sidnei Nogueira argumentar. Nessa perspectiva, ser filho ou filha —carnal, por adoção, de criação ou de santo— forma uma ligação íntima, simbiótica, com a sua ascendência.

Em um terreiro, assim como na casa das mães e avós de parte significativa da população negra, pede-se a bênção ao mais velho e à mais velha sempre que se chega e que se vai embora. A senioridade é lugar de respeito e de ensinamentos, os quais se entende que, caso seguidos, vão resultar em boa sorte nos caminhos da pessoa mais nova.

Por ser esse orixá mais novo, Logun Edé é associado à leveza e à brincadeira de crianças e jovens. Saudamo-nos dizendo "Loci loci!" e a este jovem caçador dedicamos festas e oferendas, cantigas e danças. Na próxima semana, seguiremos a reflexão com uma orixá caçadora. Até lá!

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