Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Todas

Iansã mostra como as mulheres poderosas incomodam os homens

Nos casamentos, maridos que tanto admiram suas companheiras também tentam enfraquecer o brilho delas

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Estava ouvindo Mãe Márcia de Obaluaiyê, minha mãe de santo querida, contar seus causos neste fim de semana, quando ela começou a falar de Iansã, orixá também conhecida como Oyá. Mãe Márcia é devota dessa poderosa orixá que rege as tempestades e vai à guerra.

Ilustração da Orixá Iansã, o fundo da ilustração é vermelho e a figura feminina de Iansã encontra-se ao centro da imagem. Ela é uma mulher negra, que tem cabelos crespos, usa um vestido vermelho, braceletes e adornos dourados nos braços, uma máscara cobrindo o seu rosto e segura sobre sua cabeça os chifres de um búfalo.
Ilustração de Aline Bispo - Aline Bispo/Folhapress

Em um dos itãs, como são conhecidos os relatos míticos, Oyá guardava um poder e um segredo: ela podia se transformar em um búfalo. Porém, certa vez, em uma de suas caças, Ogum vê um lindo búfalo tirar sua pele e revelar-se Oyá.

Ele fica impressionado e, enquanto a guerreira vai trabalhar no mercado, rouba a pele do búfalo e a esconde. Ogum, em seguida, que já tinha outras mulheres, pede Iansã em casamento. Ela é convencida e vai morar com ele.

Sendo uma mulher quente como dendê, sua chegada avassaladora à comunidade de Ogum gera ciúmes nas mulheres do general. Em uma noite, elas embebedam Ogum, que conta o segredo de Oyá e onde escondeu a pele do búfalo.

As mulheres de Ogum passaram a provocar Oyá, com comentários maldosos sobre ela e o animal. Elas não contavam, contudo, que isso irritaria muito a orixá, que encontrou sua pele búfalo e a vestiu, chifrando e pisoteando as esposas e toda a comunidade.

Diante do massacre e antes de fugir de Ogum, Iansã deixou um par de chifres com seus filhos, para que, em caso de necessidade, eles pudessem chamá-la batendo um chifre no outro, ao que ela viria em socorro na velocidade de um raio. Essa versão resumida de uma das mais conhecidas passagens de Iansã me leva a refletir sobre os obstáculos que mulheres potentes enfrentam para deixar sua força fluir.

A partir do roubo da pele de búfalo por Ogum, podemos pensar em como os homens podem vir a se incomodar e enfraquecer mulheres que os encantam por sua força, justamente a característica que desejam subtrair para controlarem-nas.

É um duplipensar na vida de quem se relaciona com mulheres de personalidade forte. Tanto admiram como querem dominar e apagar esse fogo que os despertam. No caso da divindade, essa subtração de sua força veio acompanhada de um pedido de casamento.

Quando penso nas outras esposas incomodadas com a chegada de Oyá, lembro-me das palavras da minha irmã Grada Kilomba quando fala sobre a ninfa Eco, retratada na mitologia grega, condenada
a repetir as últimas palavras de cada frase dita por Narciso.

O que quero dizer é que, se a potência da mulher incomoda os homens —que detêm o poder patriarcal—, ela também incomoda mulheres que se alimentam sempre que uma fogueira incandescente é apagada.
Na noite da bebedeira, observo a traição da confiança de Oyá, pela revelação de seu segredo, como uma aliança entre os incomodados com sua força soberana.

Mas essa orixá, que rege a justiça junto de Xangô, se reencontra com sua força quando confronta o injusto e a humilhação. E torna-se búfalo de novo, arrasando tudo ao redor e saindo para o mundo.

Mas antes ela garantiu que seus filhos tivessem ferramentas para se comunicarem, mostrando que mesmo a cabeça quente, que muitos apontam como um problema de inconsequência dessa orixá, coexiste com o zelo por seus filhos.

Como o vento, essa orixá correu o mundo e viveu muitas aventuras. Há um itã que nos conta que ela dormiu com os orixás e de cada um aprendeu um segredo. Com Exu aprendeu a magia, com Oxóssi aprendeu a caçar e com Xangô passou a cuspir fogo. Só não dormiu com Obaluayiê, seu amigo querido, a quem ajudou certa vez soprando vento em suas palhas e, assim, revelando-o belo como o sol.

De seus amantes ganhou muitos presentes, mas é ao lado de Xangô que Iansã liderou exércitos, unindo-se a reinos poderosos, os quais o poderoso rei ancestral de Oyó jamais havia conseguido se aproximar. Para saudá-la, dizemos "eparrei!", e a ela pedimos que sua coragem e justiça protejam mulheres fortes a seguirem apesar de tantos obstáculos.

Aproveito a coluna para parabenizar a Academia Paulista de Letras pela ação que irá ocorrer em 17 de julho, em São Paulo, no parque Municipal do Cordeiro. Quarenta árvores de espécies nativas
da Mata Atlântica serão plantadas, em um gesto de valorização do meio ambiente.

Saúdo meu confrade Leandro Karnal, pela brilhante ideia, meu amigo José Renato Nalini, secretário do Verde e do Meio Ambiente, e o presidente Antônio Penteado Mendonça, pela bela iniciativa. Estarei no plantio, para prestigiar, e na colheita, para festejar.

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