Durante muito tempo vivi a ilusão de que o machismo não me atingia, num misto de arrogância e negacionismo que fui obrigada a reconhecer para depois abandonar porque vi: a coisa só não me alcançaria até que alcançou.
Hoje, em retrospectiva e cada vez mais percebo a presença do menosprezo à mulher, apenas por sua condição feminina. Há léguas a percorrer antes que possamos descansar num ambiente de igualdade real, efetiva, reconhecida e, sobretudo, praticada.
Vinha poderosa na carreira sem maiores obstáculos até me deparar com o parceiro supostamente encantado exatamente pelo sucesso profissional daquela nova companheira tão bem-sucedida.
Difícil detectar os primeiros sinais, por sutis. Começa pelo controle travestido de cuidado amoroso. "Chegou em casa?", "avisa quando o avião pousar", "chega a que horas?". Nunca tinham me feito essas perguntas. Estranho, mas pode ser amor ao qual você não está acostumada.
Engano. Quando for assim, o melhor é ouvir o coração ao qual não dei atenção mesmo quando solicitada a submeter meu trabalho ao crivo do homem. "Para sua proteção", era a justificativa fofinha.
Protegê-la também de seus desejos: dançar, viajar, estar com amigos, fazer contato público com potenciais fontes, defender posições em rodas profissionais. Tudo é interditado de modo sub-reptício, de maneira mansa. Até o dia em que a coisa se mostra escancarada e a gente liga o nome à pessoa.
Nessa hora, o que fazer? Tentar dar um reset na cabeça do indivíduo, reclamar, se revoltar? Nada disso: cair fora da roubada é o melhor e único remédio, cuja bula recomenda olho vivo e faro fino para nunca mais repetir.
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