Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
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Avançamos, e saberes feministas negros já ocupam lista de best-sellers no país

Enxergar a colheita que temos feito é a provocação que deixo para este 8 de março

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Se alguém dissesse para a Djamila de 20 anos de idade que chegaríamos a um tempo em que saberes feministas negros ocupariam, semana a semana, a lista de best-sellers no país, penso que essa menina festejaria como quem presenciasse um milagre.

Naquela época, desgastava-me e perdia as estribeiras em debates desonestos sobre cotas para pessoas negras em universidades. O debate segue requentado até hoje, mas ali havia uma resistência maior por parte das pessoas brancas em admitir ações afirmativas no último país das Américas a abolir a escravidão. Não tínhamos espaço nas mídias hegemônicas —e, quem viveu aqueles dias, não esquece das barbaridades que foram ditas.

Víamos no oligopólio da televisão pessoas brancas como o paradigma da moral, inteligência e beleza. Aos negros eram feitas as piores representações possíveis, e muitos de nós enxergavam a universidade como um lugar inacessível. Nos momentos mais cabisbaixos, nossos únicos destinos no horizonte, enquanto mulheres negras, pareciam ser o do trabalho doméstico ou da sexualização.

Essas noites frias naquela Djamila existiam, mas eram raras, contudo.

 Conceição Evaristo é uma mulher negra que fala ao microfone
A escritora Conceição Evaristo na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, em 2023 - Zanone Fraissat/Folhapress

Pois como uma jovem que trabalhava na Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos, vinha de uma geração que trabalhava na produção dos encontros das mais velhas, como Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Edna Roland, Jurema Werneck, Cida Bento, entre tantas outras que vieram de uma guerra vencedora em nomear a realidade das mulheres negras dentro de um movimento feminista branco e um movimento negro masculino.

E mesmo ali, naquele fim do século 20 e início do 21, havia um movimento literário que brigava por reconhecimento e conscientização do público acerca das opressões que atravessam o cotidiano das pessoas que partem de lugares sociais vulnerabilizados. A poucos metros daquela Djamila, por exemplo, estava Alzira Rufino, a poeta da resistência negra e diretora da Casa de Cultura, trabalhando incessantemente por alguma iniciativa que melhorasse a condição de vida de escritoras negras.

Já eram tempos em que mulheres como Conceição Evaristo, Esmeralda Ribeiro, Cidinha da Silva, Bel Santos Mayer e muitas mais organizavam e publicavam iniciativas editoriais para desaguar a imensa produção negra brasileira em um mercado hegemônico que não queria saber de nada que não fosse branco.

Quando me lembro dessas coisas, cada vez mais entendo que muitas de nós não temos a exata dimensão da colheita que está sendo preparada para as gerações seguintes. Há anos venho dizendo isso em entrevistas. Penso em Lélia González, que, embora tenha vivido intensa expressão em movimentos negros e feministas, atualmente ultrapassa fronteiras territoriais, geracionais e sociais; está disseminada em salas de aula, universidades, grupos de leitura de todo Brasil, conscientizando a população com seus escritos atemporais.

Penso em Amelinha Teles, que chegou a ser expulsa do Partido Comunista por se assumir feminista. Poucas pessoas como ela representam tão bem a frase de sua autoria: "ser mulher é ser protagonista de nossas vidas, histórias e projetos. É você assumir uma postura incômoda perante a sociedade e lutar por mais autonomia". Penso em Pagu, conterrânea santista de coração, em Lygia Fagundes Telles, para quem a perspectiva feminista estava associada à independência econômica para a mulher.

Enxergar a colheita que temos feito, que talvez nós sequer vejamos em vida seus resultados, é a provocação que deixo neste 8 de março. Seguimos resistindo nesse país de uma das altas taxas de feminicídio do mundo, em que homens brancos ocupam a maioria dos espaços de poder no setor público e privado. Onde, mesmo à margem da garantia de direitos reprodutivos e numa era de explosão do encarceramento feminino, parafraseando Maya Angelou, nós, mulheres, nos levantamos.

Afrontosas ao deboche de quem não admite nossa petulância em expressar nossas vozes, nós nos levantamentos. Altivas perante o ódio de quem se apavora em vernos unidas, nos levantamos. Intragáveis para quem nos busca nos tratar com condescendência, nos levantamos.

E onde muitas caem, nós seguiremos nos levantando, em nome delas e de todas nós.

Somos plurais e dentro das nossas diferenças, seguimos marcando nossa voz, assumindo posturas incômodas e inspirando mulheres mais jovens. Na trilha aberta por quem veio antes, seguimos trabalhando pelo futuro melhor possível para nós mesmas e para as próximas gerações.

Que este 8 de março venha pela semeadura dos sonhos e das resistências das mulheres brasileiras, como também pela colheita de direitos e de força para prosseguir essa jornada histórica por emancipação.

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