Jornalista esportivo desde 1971, escreve sobre temas olímpicos. Participou da cobertura de seis Olimpíadas e quatro Pan-Americanos. Escreve às terças.
A almejada autonomia do esporte
Os preparativos para os Jogos Olímpicos do Rio seguem a galope na tentativa de recuperar o tempo perdido para que todas as obras estejam concluídas antes da solenidade de abertura, em 5 de agosto de 2016. Os cartolas do Comitê Olímpico Internacional, patrono do evento, e do Comitê Rio 2016, responsável pela sua organização, por ora, estão convencidos de que o encontro esportivo será uma festa memorável. É certo que os 204 comitês olímpicos nacionais vinculados ao COI também pensam assim.
A despeito desse clima, conflitos envolvendo países ao redor do mundo sempre representam um ponto de interrogação para o sucesso de qualquer evento internacional, em especial os de grande porte, como a Olimpíada, por causa do risco de boicote.
Em função disso, entre outros aspectos, os dirigentes esportivos comemoraram muito a resolução aprovada no início deste mês pela ONU, em sua 69a. Assembléia Geral, reconhecendo a autonomia do esporte e do COI. O presidente do comitê, o alemão Thomas Bach, qualificou a decisão de marco histórico.
A resolução, além de respaldar a independência do esporte, incentiva a sua almejada neutralidade política. A proposta é ajudar os comitês olímpicos nacionais e federações esportivas a solucionar impasses específicos e qualquer tipo de discriminação adotada por algum país. Foi entendida no COI também como um meio de promover a educação, a saúde, o desenvolvimento e a paz.
Motivos não faltam à cartolagem para festejar a resolução da ONU. Depois da Segunda Guerra Mundial, os esportes começaram a despertar grande interesse popular em todo o mundo.
As grandes competições –em especial a Olimpíada, que reúne equipes de 28 esportes e de atletas de duas centenas de países – atingiram tal relevância que acabaram se transformando numa espécie de faca de dois gumes na política internacional, um que agrega prestígio, principalmente ao organizador, e aos participantes e outro que amplia, dá ecos a protestos e reivindicações. Desta vertente, por exemplo, surgiram os boicotes.
O primeiro deles, em Montreal-76, quando 24 países africanos se recusaram a participar dos Jogos em protesto pela não punição à Nova Zelândia, por quebra de acordo internacional durante a legislação racista, o apartheid, da África do Sul. Os neozelandes disputaram jogos de rugby contra sul-africanos.
Seguiram-se os boicotes da Guerra Fria. Os EUA e 60 aliados não foram à Moscou-80, protestando contra a invasão do Afeganistão pela União Soviética, e o revide dos soviéticos e 14 países do bloco socialista, ausentes em Los Angeles-84.
Em Seul-88, foi a vez de a Coréia do Norte não enviar representantes à Coréia do Sul, contra a qual continuava formalmente em estado de guerra. Contou com o respaldo das ausências de Cuba, Etiópia e Nicarágua, embora cada qual tenha apresentado razões particulares.
Os bastidores da política internacional, via de regra, são efervescentes, marcados por segredos, mistérios, alongadas negociações, tramoias, interesses nebulosos, mentiras, espionagem e subornos. Tem muito de tudo, do pior e do melhor das relações humanas.
Uma mostra presente disso foi o encontro da cúpula do G20 (as 19 maiores economias o mundo mais a União Européia), em Brisbane, na Austrália, encerrada no domingo, sobre a qual o enviado especial da Folha, Clóvis Rossi, relatou: "Dilma se recusa a tomar posição no conflito da Ucrânia; neutralidade do Brasil é bem vista pela Rússia, acusada de violar fronteiras e estimular separatistas ucranianos".
O primeiro-ministro do Canadá teria dito ao presidente russo Vladimir Putin: "caia fora da Ucrânia". A resposta: "Isso é impossível, porque não estamos lá". Imagine a confusão que estaria instalada se a Ucrânia fosse a sede de um evento esportivo de porte.
Nesse contexto, não sendo poucos os problemas belicistas e de relações internacionais mundo afora –Rússia x Ucrânia é apenas um deles–, os Jogos Olímpicos sempre estão sujeitos ao imponderável. Entretanto, o panorama atual aponta céu de brigadeiro, limpinho, para a Olimpíada no Brasil.
Oxalá que continue assim. Algumas nuvens até que seriam bem-vindas, só que acompanhadas de chuvas, para encher os reservatórios e driblar o temor da sede.
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