Edgard Alves

Jornalista, participou da cobertura de sete Olimpíadas e quatro Pan-Americanos.

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Descrição de chapéu Tóquio 2020

Além da pandemia, Olimpíada de Tóquio enfrenta debate sobre protestos

COI discute abertura para os atletas fazerem manifestações durante competições

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A pandemia do novo coronavírus é tragédia no Japão como em todos os países do mundo. Além disso, lá, uma preocupação delicada é a aproximação da Olimpíada de Tóquio, em julho e agosto, mas que ainda precisa ser confirmada.

A Olimpíada é desafio para o Japão e para o COI (Comitê Olímpico Internacional), pois os Jogos reúnem cerca de 11 mil atletas, mais equipes de apoio, jornalistas de todos os cantos do planeta e milhares de torcedores e turistas. Diante da pandemia, a responsabilidade dos anfitriões ganha tremenda relevância, pois envolve segurança e garantia de vidas humanas.

A guerra da saúde é um diferencial destes novos Jogos em relações a todos os anteriores. Não fosse isso o bastante, a evolução dos conceitos de olimpismo marca cada edição do evento com novos movimentos dos esportes. Um deles, por exemplo, que chama a atenção é o da possível abertura para os atletas fazerem manifestações e protestos durante as competições.

Fatos recentes dessa natureza ocorreram espontaneamente em vários países, em modalidades variadas, entre outras, como basquete na NBA, beisebol, futebol americano, F1, futebol mundial e um episódio simples, porém marcante, no vôlei de praia feminino do Brasil.

Neste último, um rápido “fora, Bolsonaro” dito pela atleta Carol Solberg após jogo do vôlei nacional, em microfone da TV, causou rebuliço e assustou a cartolagem no poder e políticos. Imaginem esse tipo de comportamento virar moda.

Há um sentimento de insatisfação na sociedade em geral, provocado pelo movimento das relações humanas nos tempos atuais. Nesse contexto, os problemas não são poucos e não devem continuar sendo varridos para baixo do tapete. São novos níveis de consciência, de combate ao racismo, da busca pela educação, da injustiça na distribuição de renda, da carência de postos de trabalho, da violência na sociedade e dos excessos praticados por forças policiais, principalmente contra cidadãos humildes.

A política do movimento olímpico internacional, que é controlado pelo COI, não permite manifestações durante os Jogos. A entidade defende a Regra 50 da Carta Olímpica, que veta todo tipo de propaganda política, religiosa ou racial em quaisquer locais olímpicos, instalações ou outras áreas.

Alguns aceitam essa determinação. Como a questão básica nesse debate é política, a discussão azeda. Como ficam aqueles que discordam? Outra dúvida: Como algumas declarações poderão ser enquadradas como direitos humanos?

O presidente do COI, o alemão Thomas Bach, afirmou que os Jogos não são sobre política e que precisam se proteger para não se tornarem uma "feira de manifestações". Não é bem assim que pensam outros esportistas.

O britânico Sebastian Coe, ex-atleta e presidente da World Athletics (a federação internacional de atletismo), defende que os competidores têm direito de fazer gestos de protesto político. Para ele, é perfeitamente aceitável, pois os atletas são uma parte do mundo e querem refletir o mundo em que vivem.

Em carta aberta, o Comitê Olímpico e Paraolímpico dos Estados Unidos declarou que não punirá atletas por demonstrações respeitosas de apoio à justiça racial e social para todos os seres humanos, desafiando a regra de longa data do COI.

A vencedora do US Open, a tenista Naomi Osaka, que tem mãe japonesa e pai haitiano, usava máscaras antes de partidas com nomes de vítimas de racismo e contra a violência policial.

Protestos de atletas podem não ser costumeiros, mas também não são novidade. Quem não se lembra do campeão mundial de boxe Muhammed Ali, condenado à prisão durante a Guerra do Vietnã por se recusar a ser convocado devido as suas crenças religiosas.

O pódio de maior repercussão na história de mais de cem anos da Olimpíada foi o da premiação dos 200 m rasos dos Jogos do México, em 1968. Naquela oportunidade, durante a execução do hino, os norte-americanos Tommie Smith e John Carlos, ouro e bronze na prova, baixaram a cabeça e levantaram o braço com o punho fechado coberto por luvas pretas.

Os atletas negros americanos Tommie Smith (centro) e John Carlos (dir.), medalhas de ouro e de bronze nos 200 m nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, fazem a saudação com o punho cerrado do grupo Panteras Negras, como protesto a conflitos raciais nos EUA
Os atletas negros americanos Tommie Smith (centro) e John Carlos (dir.), medalhas de ouro e de bronze nos 200 m nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, fazem a saudação com o punho cerrado do grupo Panteras Negras, como protesto a conflitos raciais nos EUA - 17.out.1968 - AFP

O gesto marcou espetacularmente um protesto contra a segregação racial então vigente nos Estados Unidos. A dupla de atletas acabou banida dos Jogos, mas o gesto repercutiu fortemente em todo o mundo. É uma imagem marcante, que nunca será apagada da memória olímpica.

Medalhista de prata na ocasião, o australiano Peter Norman apoiou a manifestação, usando na cerimônia um broche do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos.

Em resposta à pressão do Comitê Olímpico Australiano, Norman reforçou seu posicionamento favorável aos colegas norte-americanos e recusou-se a declarar que fora coagido a assumir aquela postura. A atitude praticamente colocou um ponto final em sua carreira de atleta.

A aceitação das regras é controversa e segue sendo debatida. A Comissão de Atletas do COI deve apresentar à entidade, em março, uma proposta sobre o tema. A cartolagem, por sua vez, parece admitir, embora ainda com muita resistência, o esporte como instrumento social. Em outras palavras, está vendo a queda do enganoso, desgastado e velho slogan de que esporte e política não se misturam.

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