Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari

Livro sobre camelos no Ceará ensina que fé em soluções mágicas e boquinhas são coisa antiga

Obra conta que o objetivo era que os bichos fossem pioneiros da ocupação do semiárido nordestino por serem capazes de suportar secas

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Está nas livrarias “Catorze Camelos para o Ceará”, do repórter Delmo Moreira. Conta uma preciosa história da segunda metade do século 19. Ensina que fé em soluções mágicas, boquinhas, obsessão com a imagem do governo e vergonha do Brasil real são coisa antiga.

O gatilho da história não podia ser mais pitoresco. Numa manhã de junho de 1859, um navio francês desembarcou em Fortaleza com 14 camelos trazidos da Argélia. Os bichos seriam pioneiros da ocupação do semiárido nordestino por uma espécie capaz de suportar secas. Antes dos camelos, havia chegado a Fortaleza uma comissão científica, composta por luminares, destinada a estudar aquele pedaço do Brasil.

Essa comissão trabalhava havia tempo. Em Londres, o poeta Gonçalves Dias comprava aparelhos para estudos geológicos e astronômicos. O engenheiro Raja Gabaglia pesquisava em Paris. O Barão de Capanema (amigo do imperador) acertou com os diretores do Museu de Viena a fabricação dos vidros para transportar espécimes. Dos Estados Unidos veio uma canoa portátil de goma elástica. A ideia era coletar amostras da vida e da natureza naquelas terras.

A presença dos luminares em Fortaleza foi notada pouco antes da chegada dos camelos porque eles deram uma festa que acabou com banho de mar de gente nua.

Perto do Crato, Gonçalves Dias viu os índios Xocós. Nada a ver com aquele tipo belo e forte de seus poemas. Viviam na miséria. Capanema reclamava da falta que fazia à região o regime de servidão da Rússia, pois os guias cobravam caro. Outro “científico” assustou-se com a visão de penitentes, mas as coisas melhoraram para Raja Gabaglia quando ele se apaixonou em Sobral por Maria da Natividade, irmã do futuro barão da terra. Outro “científico” apaixonava-se por onde passava. Um colega acusava-o de consumir as noites na “devassidão”. A expedição seria chamada de “Comissão do Defloramento”.

Os sábios percorreram o sertão por dois anos e meio e trabalharam. Infelizmente parte do acervo que coletaram naufragou. Mesmo assim, só o herbário levado para o Rio tinha 14 mil amostras. De volta à Corte, planejaram uma exposição e publicaram um relatório. Delmo Moreira conta que parte dele, na qual Gonçalves Dias e Capanema criticavam os governos e relataram cenas de miséria, foram expurgados.

Seriam “publicidade inoportuna” que repercutiria mal nos círculos científicos europeus.

E os camelos? Foram privatizados. Em 1867, eram 20. Em 1934, apenas uns poucos, inúteis e definhados, zanzavam pelas terras de seus donos.

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