Passaram-se 80 anos entre 1942, quando o garoto Disnei Zanolini chegou ao cirurgião Euryclides de Jesus Zerbini com um estilhaço numa parede do coração, até a quinta-feira da semana passada, quando foi operado o coração de uma menina de um ano e dois meses de Embu das Artes no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Foi a 95ª em uma criança, num total de 845, só neste ano. Ali a medicina pública brasileira escreve uma de suas melhores e mais ilustrativas histórias.
Numa época em que a pandemia mostrou as virtudes do Sistema Único de Saúde e a desordem das cabeças coroadas de Brasília, o Incor comprova: são os hospitais públicos e as faculdades de medicina que garantem a saúde nacional. Quebrada essa aliança, o sistema desanda. Assim desandou a medicina do Rio de Janeiro a partir dos anos 1970.
O Incor nasceu pelas mãos de três gigantes: Zerbini, Luiz Décourt e Adib Jatene. Do nada, na USP, eles criaram o Instituto do Coração.
Neste ano o Incor foi considerado o 24º melhor do mundo pela revista americana Newsweek e pela Statista, empresa alemã de pesquisas de consumo que ouviu 40 mil profissionais de saúde em mais de 20 países. Considerados apenas os hospitais públicos, nessa listagem seria o melhor do mundo.
Nem tudo foram flores para o Incor. Em 1978 ele gerou a Fundação Zerbini, capaz de firmar convênios, recolher doações e de reforçar os salários dos servidores. Pela eficiência virou o hospital das celebridades (Tancredo Neves morreu lá, no apogeu da fase de exibicionismo da instituição). O ego da fundação inflou-se e ela ficou a um passo da falência. O andar de cima havia lesado o coração do Incor.
Em 2011, o cardiologista Roberto Kalil Filho assumiu a presidência do Incor com os bens da fundação bloqueados. Aos poucos, Kalil e sua equipe desobstruíram as coronárias da instituição. Em 2018 suas contas estavam em ordem.
Hoje, os recursos do Governo de São Paulo cobrem 50% de seus custos. O SUS fica com 25% e convênios, bem como doações (poucas, porém heroicas) entram com 25%. De cada dez pacientes, oito vêm da rede pública.
A cada dia passam pelos três prédios do Incor cerca de 3.500 pessoas, atendidas por 3.700 funcionários, 520 dos quais, médicos. Lá acontecem a cada ano 22 mil consultas, 12 mil internações e 5.000 cirurgias.
A ligação do Incor com o Hospital das Clínicas da USP fez dele um verdadeiro centro de ensino e pesquisa. Em 45 anos formou 5.000 alunos da graduação à pós-graduação. A cada ano passam pelo Incor mil alunos em várias atividades.
A medicina privada brasileira é boa e faz muito, mas a saúde de Pindorama depende mesmo é da pública. Quando uma universidade entra nesse circuito, chega-se ao Incor e à medicina de São Paulo.
Serviço: o Incor aceita doações. Se for atendido, amplia seu centro cirúrgico.
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