Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Corregedoria de Justiça derrotou Síndrome da Reivindicação Sucessiva

Instituição entregou 180 títulos de propriedade a moradores do Complexo do Alemão

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Há duas semanas, como parte do Programa Solo Seguro, a Corregedoria Nacional de Justiça entregou 180 títulos de propriedade a moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. (Naquele cenário, em 2011, foi instalado o espetáculo do teleférico que custou R$ 210 milhões. Ficou sete anos parado e seria reaberto no início deste mês. Tudo bem, o que começa como presepada, como presepada se encrenca.)

A regularização dos lotes onde vivem 180 famílias do Alemão custou três meses de trabalho a 17 pessoas: 2 da Corregedoria, cerca de 12 da Prefeitura do Rio e 3 do cartório de registro de imóveis. A impressão das escrituras deve ter saído por uns R$ 2.000. Só.

As duas iniciativas mostram a futilidade das obras espetaculares que beneficiam primeiro a turma do andar de cima, e a utilidade de ações onde o que se precisa é apenas interesse pelo andar de baixo, mais algum trabalho.

Vista do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 10.set.2020/ Folhapress

O economista peruano Hernando de Soto mostrou há décadas que, no Terceiro Mundo, milhões de famílias vivem em modestas residências, sobre terrenos desprovidos de documentação. Sem escrituras, sofrem com milicianos, não têm acesso a serviços públicos regulares e têm dificuldade para obter crédito. Com escrituras, ganham uma espécie de cidadania financeira.

Segundo De Soto, numa conta velha, as pessoas que vivem em lotes irregulares estavam sentadas em cima de um patrimônio de US$ 9,3 trilhões, ervanário equivalente ao valor de todas as companhias listadas nas Bolsas dos 20 países mais desenvolvidos. No Brasil, é provável que esse patrimônio seja superior ao valor das companhias da Bolsa de São Paulo.

A regularização fundiária dos lotes urbanos parece uma questão insolúvel porque é quase exclusiva do andar de baixo. Não se pode fazer a escritura porque, antes, deve vir o arruamento, e o arruamento não pode vir porque não se sabe de quem é a terra. É a Síndrome da Reivindicação Sucessiva: não se pode fazer A porque falta B e só se pode fazer B quando estiver feito C. Enquanto isso, nada se faz.

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, e sua pequena equipe mostraram como se faz, e não só no Alemão. Em apenas uma semana, em agosto e setembro, foram regularizadas 31 mil propriedades na Amazônia Legal. Em todos os casos, foi decisiva a colaboração das prefeituras.

Noutra iniciativa, o Conselho Nacional de Justiça, ajudado pelos cartórios e seus servidores, emitiu cerca de 100 mil documentos de registro civil para pessoas que vivem nas ruas. Era outro caso de vigência da Síndrome da Reivindicação Sucessiva. Esses cidadãos, por não terem documentos, tinham dificultado o acesso a alguns serviços sociais.

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