Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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A 'casta' de Pindorama

O bordão de Milei poderá chegar ao Brasil

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Não se pode prever o que acontecerá com a presidência de Javier Milei na Argentina e, pelo andar da carruagem, não será coisa boa. Mesmo assim, seu cavalo de batalha —o combate à "casta"— arrisca aparecer na política brasileira.

A casta de Pindorama reúne empresários que articulam incentivos, juízes que acumulam penduricalhos, congressistas que industrializam emendas orçamentárias e maganos que empregam parentes. Tudo dentro de uma legalidade manipulada pela casta.

Javier Milei em sua campanha para presidente da Argentina segura motosserra para simbolizar cortes de privilégios
Javier Milei em sua campanha para presidente da Argentina segura motosserra para simbolizar cortes de privilégios - Marcos Gomez - 22.out.23/AG La Plata/AFP

Numa só semana deste ano, a casta nacional produziu as seguintes pérolas:

O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, nomeou o próprio filho para a chefia de sua Casa Civil, até que a Justiça suspendesse o ato.

Um mês antes de se aposentar, a juíza Maria Izabel Pena Pieranti, do Tribunal de Justiça do Rio, recebeu R$ 1,1 milhão. Esse dinheiro era-lhe devido por férias não gozadas e também por férias vendidas. A juíza Pieranti passou olímpica pela magistratura. Ela apenas exerceu seu direito.

Os magistrados têm direito a 60 dias de férias por ano. Folgam um mês durante o recesso e "vendem" a outra metade. Esse penduricalho custa pelo menos R$ 6,5 bilhões anuais à Viúva, ervanário equivalente a um terço dos R$ 19 bilhões do incentivo dado à indústria automotiva.

Soube-se na quinta-feira que em dezembro passado os titulares do Tribunal de Contas atropelaram um parecer da área técnica e autorizaram um penduricalho para magistrados que acumulam funções. O mimo representa um aumento de cerca de 30% dos salários dos atendidos. (Concebido para juízes, ele se estende aos titulares do Tribunal de Contas.)

Thales Ramalho, um marquês da República

O jornalista Cícero Belmar publicou o livro "Thales Ramalho, Cem Anos - Política, Diálogo e Moderação". Morto em 2004, Thales foi um marquês do Império vivendo uma ditadura na República.

Hoje, quando se acompanham as figuras de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, mal se nota que, por perto, sempre estava a figura de Thales. Com Ulysses, ele costurou o vigor do MDB, um partido que em 1970 estava ameaçado de extinção e, quatro anos depois, elegeu 16 dos 22 senadores.

Com Tancredo, ele costurou a frente que enterrou a ditadura, elegendo indiretamente o primeiro presidente civil. Foi coautor da única conciliação da história brasileira saída da oposição.

Thales sofreu um acidente vascular cerebral e um acidente de carro. Como Bernardo Pereira de Vasconcelos no Império, movia-se numa cadeira de rodas. Era um moderado numa oposição naturalmente povoada por alguns radicais. (Alguns deles negavam-lhe o cumprimento.) Tinha amigos do outro lado da cerca, como o marechal Cordeiro de Farias, um patriarca das conspirações militares, e o senador Petrônio Portella (outro marquês), presidente do partido do governo. Era capaz de prever resultados de votações na rua e no Congresso. Homem simples, escondia cultura e refinamento.

Belmar rememora o encontro que Thales e Ulysses tiveram com o general Golbery do Couto e Silva em março de 1975. O endereço do local foi passado numa caixa de fósforos e a sala do apartamento estava com as cortinas fechadas. Nessa conversa, o general expôs-lhes o projeto do governo: acabar com o AI-5, com o bipartidarismo e ir para uma anistia. Os três guardaram o segredo do encontro por cinco anos, até que Thales revelou-o parcialmente.

Belmar pesquisou milhares de documentos, inclusive papéis do Serviço Nacional de Informações, ouviu familiares e contemporâneos. Foi ajudado por Helena Ramalho, a segunda mulher de Thales, anjo que o acompanhou por décadas.

No início do livro, vai contado o casamento de Ana Clara, filha de Thales, no dia 1º de março de 1985, na igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes, no Recife. Foi a primeira e última celebração da Nova República de Tancredo, com todo mundo lá, inclusive ele.

O pátio fronteiro da igreja é de terra batida. Naquela noite, estava todo coberto por folhas de canela.

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