Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Mercadante quer 4º polo naval após três anteriores terem naufragado

Polos navais quebram porque quando se lança um novo programa não se revisita a causa da ruína dos anteriores

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Não deu outra, 24 horas depois do anúncio do programa Nova Indústria, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, anunciou que a Viúva poderá botar pelo menos R$ 2 bilhões num projeto de recriação da indústria naval. Assim, a geração de Lula será a única que financiou quatro polos navais. Os três anteriores foram a pique.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante - Tingshu Wang - 14.abr.23/Reuters

Mercadante diz que "nós precisamos fazer navios, já fizemos." Tem toda razão. No século 17, na Ilha do Governador, construiu-se o galeão Padre Eterno, que pode ter sido o maior barco do mundo.

Na mesma fala, o doutor informou: "Tivemos uma indústria pujante de construção naval nos anos 70." Pujante ela era, mas quebrou. Os polos navais quebram porque quando se lança um novo programa não se revisita a causa da ruína dos anteriores.

O primeiro polo naval da segunda metade do século 20 foi criado por Juscelino Kubitschek. Afundou, mas uma parte da conta foi para os estaleiros. O segundo polo, "pujante", surgiu no governo Costa e Silva e cresceu com Ernesto Geisel. Danou-se, mas a conta fez um percurso interessante.

Os bancos que financiavam o plano recebiam papéis avalizados pela Viúva. Era um negócio tão bom que um burocrata deu um chá de cadeira de 40 minutos no banqueiro Leopold Rothschild. A primeira denúncia de que alguns desses contratos eram extorsivos vinha de 1971.

Do outro lado do balcão, os bancos emprestaram a estaleiros que iam mal das pernas. Como os papéis eram garantidos pela Viúva, um só banco brasileiro emprestou US$ 100 milhões a empresas que iam mal. Em 1984 o polo quebrou, e a Viúva não honrou seus avais. Um armador carioca matou-se.

Depois do naufrágio, o mico dos chamados "papéis podres" foi reciclado, virou moeda real e serviu para arrematar empresas estatais de boa qualidade. Assim, o banqueiro que investiu num mau negócio dos estaleiros protegidos pela Viúva assenhoreou-se de boas empresas da própria senhora.

O terceiro polo, de Lula 01, nasceu em 2003 e tinha dois braços. Um construiria navios e o outro daria plataformas marítimas para a Petrobras. A primeira denúncia de malfeitoria partiu em 2004 e veio de José Eduardo Dutra, presidente da Petrobras. Tratava-se de uma disputa na qual estavam de um lado a estatal e a Odebrecht. Do outro, as empreiteiras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.

Os estaleiros nacionais tiveram dias de esplendor, chegaram a empregar milhares pessoas. Criou-se uma empresa para construir dezenas de plataformas oceânicas para a Petrobras e ela se chamou Sete Brasil. Armadores estrangeiros entraram no negócio e chegou-se à gracinha de dar agrément ao presidente de um estaleiro de Cingapura para a função de embaixador de seu país no Brasil.

Na Petrobras, as licitações foram cartelizadas e as encomendas foram superfaturadas. Essa história da Lava Jato mostrou e acabou em mais de uma dúzia de confissões e cadeias. Uma delas foi a de Antonio Palocci, o ex-ministro da Fazenda de Lula. Ele contou à Polícia Federal que propinas de fornecedores eram canalizadas para o Partido dos Trabalhadores.

A colaboração de Palocci foi divulgada às vésperas da eleição presidencial de 2018 pelo juiz Sergio Moro. Moro viria a ser ministro do presidente Jair Bolsonaro. Suas revelações, algumas das quais eram irresponsáveis, não foram investigadas direito.

O primeiro navio do polo de Lula 01 adernou quando entrou no mar. As roubalheiras resultaram na desmoralização do projeto, no colapso de três grandes estaleiros. Um deles devia R$ 4 bilhões. Cerca de 82 mil trabalhadores perderam seus empregos.

Passou o tempo, o Supremo Tribunal Federal julgou Sergio Moro um juiz suspeito e, nos anos seguintes, decidiu invalidar sentenças, confissões e multas. Assim como no desastre do polo naval da ditadura, a responsabilidade ficou difusa, mas o prejuízo ficou concentrado na Bolsa da Viúva.

Mercadante tem razão quando diz que o Brasil sabe fazer navios, o que o andar de cima do Brasil não faz é responsabilizar burocratas delirantes e larápios contumazes que corroem as iniciativas dos governos.

O Brasil já soube fazer navios

Uma das lendas de uma história mal contada é a de que Portugal proibia a existência de indústrias no Brasil. Até hoje não se explicou como um estaleiro da Ilha do Governador, no Rio, construiu em 1665 o galeão Padre Eterno.

Segundo uma edição do jornal Mercúrio Portuguez da época, era "o mais famoso baixel de guerra que os mares jamais viram". A embarcação tinha 53 metros e deslocava 2.000 toneladas. Seu mastro, feito com um só tronco, tinha 2 m e 97 cm de circunferência. Era tripulado por cerca de 3.000 homens e tinha bocas para 144 canhões.

Pode ter sido o maior navio do mundo, levou seis anos para ser construído e era produto de uma indústria naval robusta, que dispunha de mão de obra qualificada.

O polo naval existia, era produto da clarividência do governador Salvador de Sá (1602-1688). Para financiá-lo, ele cobrou um "auxílio" dos comerciantes.

O Padre Eterno naufragou anos depois na rota das índias, e Salvador de Sá ficou injustamente esquecido.

LEIA OUTRO TRECHO DA COLUNA DE ELIO GASPARI

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