Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás
Descrição de chapéu Coronavírus

Interrupção em estudos com vacinas ajuda a proteger os participantes

Se retomado, o estudo da Sinovac e Instituto Butantan terá ainda mais evidências de segurança

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A descoberta de novos produtos que protegem e tratam pessoas advém de pesquisas clínicas, uma importante ferramenta da sociedade.

Dentre os diferentes produtos já descobertos e licenciados para uso em humanos, é inquestionável que as vacinas são as que mais tiveram impacto. Principalmente a partir da segunda metade do século 20, foram capazes de controlar diversas doenças, prevenindo internações e mortes de dezenas a centenas de milhões de pessoas, todos os anos, principalmente crianças.

A importância de diretrizes regulatórias para garantir a ética dos projetos de pesquisa em humanos é reconhecida desde 1964, marcada pela Declaração de Helsinque, e, desde então, regularmente revisada. Sua última versão data de 2013.

Médico mostra caixa da vacina Coronavac, em estudo, no Hospital São Lucas em Porto Alegre
Médico mostra caixa da vacina Coronavac, em estudo, no Hospital São Lucas em Porto Alegre - Silvio Avila - 8.ago.20/AFP

Para eticistas reunidos no Fórum Nacional sobre a Declaração de Helsinque: A Perspectiva Brasileira, realizado em fevereiro de 2000, esse é um documento que deve ser considerado propriedade de toda a humanidade. Não à toa, suas várias importantes recomendações culminaram no Guia de Boas Práticas Clínicas, adotado em vários países. É aqui que estão as normas para realização de estudos clínicos em humanos, as quais são seguidas por pesquisas brasileiras e na maioria dos países.

Dentre essas normas, a interrupção temporária de uma pesquisa clínica está prevista sempre que ocorrido um evento grave significativo, até que se tenha todo esclarecimento sobre sua eventual relação ou não com a vacina em teste. Quadros neurológicos graves ou a morte de um participante do estudo são considerados, por exemplo, eventos graves de importância clínica.

Os estudos em fase 3 das vacinas contra a Covid-19 têm incluído um grande número de voluntários. Para citar os que também contam com a participação de brasileiros: 13.060 pessoas no estudo da vacina da Sinovac e Instituto Butantan; 44 mil na Pfizer; 30 mil na Moderna; 30 mil na AstraZeneca; 60 mil na Janssen.

Com tantos participantes, eventos graves podem ocorrer mesmo por acaso. É esperado que, entre tantas pessoas sendo observadas, algumas desenvolvam uma doença grave, tenham o resultado de um exame bastante alterado ou até mesmo venham a falecer. Cabe aos pesquisadores, então, esclarecer se há relação deste evento com a vacina em teste.

Para isso, são criadas cláusulas de interrupção, as quais preveem situações em que o estudo deve ser pausado até que se determine se o evento observado tem ou não relação com a vacina.

A interrupção mais recente se deu agora, desde a noite do dia 9 de novembro, no estudo da vacina Sinovac e Instituto Butantan, e está em revisão pela Anvisa.

Se existe alguma má impressão sobre esse ocorrido, a sensação de que “algo está errado” ou de que “estão escondendo alguma coisa”, é por falta de fundamento e conhecimento das diretrizes que norteiam pesquisas clínicas. Fato é que a interrupção representa exatamente o contrário: é sinal de respeito às diretrizes de avaliação de segurança.

Não há intenção de criar mistério sobre nenhum evento, mas é fundamental prevalecer o respeito aos dados sobre voluntários de pesquisas clínicas, que “devem ser mantidos em sigilo, em conformidade com princípios de confidencialidade, dignidade humana e proteção dos participantes”, tal como dito pela própria Anvisa. Além disso, a interrupção de um estudo é uma medida de importante salvaguarda para monitorar a segurança da vacina. Cabe aguardar a apuração de cada caso para saber se o estudo deve continuar. Se retomado, o estudo da vacina Sinovac e Instituto Butantan terá ainda mais evidências de segurança.

Até agora, três vacinas candidatas tiveram interrupções em testes na fase 3. Os estudos com as vacinas candidatas da AstraZeneca e Janssen também tiveram interrupções anteriores e, agora, já foram retomados.

No Brasil, a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, com o Comitê Científico Independente de Acompanhamento de Dados designado por cada estudo, são os guardiões dos estudos que estão sendo realizados.

O Brasil adota normas rígidas para realização de pesquisas clínicas há muitos anos. Nunca, contudo, tais condutas rigorosas foram tão expostas à sociedade, que vem acompanhando com olhos atentos tudo o que se passa no desenvolvimento de vacinas para Covid-19.

A grande exposição é uma ótima oportunidade para mostrar como se faz pesquisas no Brasil. E é um passo importante para nos tornarmos uma sociedade melhor, respeitando os princípios éticos inicialmente traçados por um grupo de médicos em Helsinque.

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