Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

As oportunidades perdidas pela América do Sul

A proteção de brasileiros também depende da proteção dos cidadãos do continente

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Outra vez, infelizmente, a América do Sul se posiciona como o principal sítio mundial no alastramento da pandemia de Covid-19. O Brasil, que está com aumento do número de casos e lidera o número de mortes diárias em todo o mundo, é seguido por Argentina, Colômbia, Uruguai, Paraguai e Peru, com elevados índices de casos e mortes.

A região já foi duramente acometida por várias outras epidemias e pandemias em anos recentes. Vamos olhar para as três últimas décadas. Não tínhamos cólera na região desde o final do século 19. Causada pelo Vibrio cholerae e transmitida principalmente por água contaminada, provoca uma diarreia que pode levar à morte. Foi introduzida no Peru em 1991 e se espalhou pelo continente, com milhões de casos e milhares de mortes. O Brasil não ficou de fora, com grande parte dos casos e mortes ocorrendo especialmente no Norte e no Nordeste do país, até deixar o continente em 1999, por razões ainda não bem compreendidas.

A zika, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, é outro exemplo recente. Provocou uma enorme epidemia em 2015, associada a alterações neurológicas –como a síndrome de Guillain-Barré– e graves alterações no desenvolvimento de bebês de mulheres infectadas durante a gravidez. Seu impacto foi tão profundo, que a taxa de natalidade no Brasil chegou a cair 5,4% em 2016, pelo receio das mulheres de engravidarem nesse período. Novamente, a América do Sul foi o principal local de propagação da doença, devido ao limitado controle do mosquito transmissor.

São três doenças que castigaram duramente o continente. Outros exemplos engrossam essa lista, como dengue, chikungunya, febre amarela e sarampo, para citar alguns.

Tudo deixa evidente o nosso despreparo na adoção de medidas que poderiam evitar o pior, revivido novamente ao nos aproximarmos da liderança no número de mortes por Covid-19 em todo o mundo. Um sul-americano perde a vida a cada quatro mortes pela doença no mundo, embora aqui vivam apenas 5,5% da população mundial.

Muitos fatores contribuem para tamanha vulnerabilidade. Há grande disparidade dos sistemas de vigilância epidemiológica e notificações de doenças. A detecção da circulação de doenças costuma chegar tarde demais em muitos lugares. A estrutura para acolhimento de pacientes durante pandemias também é desigual e chega a ser precária em muitas regiões. Tome-se como exemplo a dificuldade de acolher pacientes com gripe suína em 2009 ou Covid-19 em 2020-2021, superlotando a estrutura de saúde e provocando colapsos em muitas regiões.

A coordenação das ações entre os países também tem sido difícil, se tornando, recentemente, ainda mais desafiadora pelas diferenças políticas regionais.

Há soluções? Seguramente sim.

Consideremos o enfrentamento da pandemia de HIV-Aids. Embora este continue como um grande problema de saúde pública, as medidas de vanguarda adotadas pelo Programa Brasileiro foram exemplares para todo o mundo. O que foi feito aqui inspirou ações nos demais países da região que, em vários momentos, se uniram em esforços para facilitar o acesso ao tratamento e à adoção de medidas de prevenção.

Os vírus não respeitam fronteiras. As ações de uma região, como a América do Sul, devem ser pautadas pelo diálogo entre países para que sejam colaborativas, se quisermos enfrentar ameaças como é a Covid-19 e outras que virão. E virão.

Aqui vale uma velha máxima: não estaremos protegidos enquanto todos não estiverem protegidos.

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