Não é a primeira vez que esta coluna faz sátira com estereótipos da extrema direita. O que não imaginava é que uma dessas publicações se tornaria ferramenta do próprio alvo da chacota.
Na semana passada, esta coluna fez uma sátira com as fake news que pipocam na deep web das "tias do zap". Não foi nenhuma novidade. Já haviam feito piada com usos de cachorros como ingrediente de refeições e usado todos os trocadilhos com sobrenomes como Benjamin Arrola e Jacinto Pinto para enganar os patriotas. Mas a torta na cara deu uma guinada de 180° e foi para a cara de quem tentava dar.
O texto alertava os "patriotas" sobre as ameaças do governo Lula. Uma delas seria a substituição do Ministério da Mulher para o chamado "Ministério de Todes", que iria instituir o uso do gênero neutro na língua portuguesa. Os temores incluíam a substituição do garfo e faca por foice e martelo, e a vinda de Mikhail Gorbatchov, que só não traria sua cadela Laika pois a tinha devorado no almoço.
Achava que os absurdos descartavam qualquer mal-entendido. Mas não podemos subestimar o poder da imaginação de quem acredita em mamadeira de piroca e kit gay.
Logo que a coluna foi publicada no site da Folha, recebi mensagens avisando que o texto estava sendo compartilhado por bolsonaristas, indignados com a criação do "Ministério de Todes".
"Caminhamos a passos largos para a destruição." "Quando o Brasil estiver no buraco mais fundo, faz o ‘L’." "Vai começar a palhaçada do Partido das Trevas!!! Ministério de Todes, escolas comunistas!"
O presidente da Câmara dos Vereadores de Vitória, Davi Esmael (PSD), escreveu no Twitter: "Somos cristãos e jamais podemos abrir mão dos nossos princípios e valores. O texto revela o que nos aguarda num futuro próximo. Nossa luta jamais será em vão". Difícil entender tal repulsa do vereador. Como cristão, ele deveria conhecer a mensagem de Cristo —"ame o próximo como a si mesmo"—, o que inclui todos e todas, ou seja, todes. Quanto à luta de Esmael, sempre será em vão se for contra piadas de colunas de humor.
Sem falar que não há razão para se indignarem tanto com um "Ministério de Todes". Depois que o atual governo cortou 99% das verbas para as mulheres, finalmente seríamos contempladas em algum departamento.
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