Até o início desta semana, o filme "Som da Liberdade" tem liderado as bilheterias nacionais. Parte do sucesso é resultado do financiamento de ingressos feito pelos próprios fãs, que também trabalham duro pela divulgação da produção.
Proporcional à bilheteria são as polêmicas nas redes. No ex-Twitter, o X, quem gosta do filme é chamado de conspiracionista. Quem não gosta é acusado de apoiar pedofilia.
Como sou audiência fácil, que vê valor em filmes como "Vovó Zona" e "Cinderela Baiana", resolvi usar a hora do almoço para ver o filme no cinema e tirar a discussão a limpo.
O longa é baseado na trajetória do ex-agente do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, Tim Ballard, que está em busca de uma garotinha hondurenha sequestrada por uma rede internacional de pedofilia.
Embora toque em uma pauta importantíssima, o roteiro é cheio de clichês, com personagens rasos. O que move o protagonista é a fé em Deus e o pensamento de que aquela garotinha poderia ser sua filha. Afinal, crianças latinas escravizadas sexualmente não são o suficiente para ele sair de casa.
A interpretação de Jim Caviezel é um tanto preguiçosa e, em alguns momentos, faz o cigano Igor se parecer com a Fernanda Montenegro. Os traficantes de crianças estão mais para vilões saídos do filme "Tudo por uma Esmeralda".
Confesso que tirei um cochilo e, quando acordei, o mocinho estava convencendo um empresário a ajudá-lo, repetindo: "Ela poderia ser sua filha".
O problema não é a obra, mas o fato de usarem a legítima pauta da pedofilia como disfarce para uma porção de teorias conspiracionistas.
Há uma falsa ideia de que os maiores responsáveis pelos casos de pedofila são empresários progressistas. O próprio ator Jim Caviezel costuma espalhar a teoria de que milionários usam crianças para extrair hormônios e produzir uma droga poderosíssima.
Isso desvia o foco da verdadeira causa do problema. A maioria dos casos de pedofilia são feitos por pessoas de confiança, próximas às vítimas.
O ex-agente que inspirou o herói e os produtores do filme são acusados de envolvimento em casos de abuso sexual e sequestro de crianças. É a velha história de que por trás do moralismo existe uma perversão. Mais um clichê do filme.
O que era um filme se tornou a cloroquina cinematográfica. O terraplanismo do cinema.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.