É jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance".
Todos viraram torcedores organizados
Hoje, não é mais possível diferenciar o chamado "torcedor comum" daquele que é associado a uma facção. Por isso, afirmo, sem nenhum medo de errar, que o sinalizador que atingiu o garoto Kevin Espada, na partida entre San José e Corinthians, pode ter sido disparado pelo menor que confessou o ato, por um dos 12 corintianos presos na Bolívia, ou, o que é mais preocupante, por qualquer torcedor brasileiro que vá a um estádio de futebol atualmente.
Sim, você mesmo, que tem o ritual de ir ao campo quando seu time joga, pode ser qualificado como um assassino em potencial. Mesmo sem ter nenhuma carteirinha de torcida uniformizada, você virou um fanático, um intolerante, um perseguidor de atletas, uma pessoa insuportável, que defende seu clube de todas as maneiras possíveis e se orgulha das "loucuras" cometidas para ver seu time jogar e de fazer parte de uma "nação". Essas características, que sempre foram de torcedores organizados, hoje são atribuídas a qualquer simpatizante de clube.
Bombardeado seguidamente por gritos como "nunca vou te abandonar", "minha vida é você", que lembram citações de governos totalitários - não vejo nenhuma diferença entre essas frases é a nefasta "Brasil: ame-o ou deixo-o", largamente utilizada durante o período da Ditadura Militar -, você é obrigado a defender cegamente seu clube enfrentando o inimigo comum da vez. Assim, você vai gritando impropérios para "os antis", para a imprensa - que está sempre contra seu clube - e acha comum e fantástica alguma violação cometida pelos torcedores de seu time.
Aliás, você está tão hipnotizado e perto de se tornar um psicopata que chega a utilizar alguns procedimentos contra os torcedores de seu próprio time. Onde já se viu exigir que fã corintiano - independente da idade - tire uma peça de roupa só porque ela é verde?
Não faz muito tempo, fui ao aniversário de um conhecido corintiano, gerente de uma multinacional, tudo estava indo bem até que ele abriu um pacote de presente que continha uma inocente camiseta verde. A pessoa se transformou. Irada, pegou a camisa e a destruiu, pisoteou nos restos da vestimenta enquanto gritava sem parar: "Aqui é Corinthians!". Qual é o nível de loucura que faz alguém pensar que outra pessoa - ou ela mesmo usando verde - a torna menos corintiana?
É saudável a iniciativa dos programas de sócio-torcedor, mas alguns torcedores se filiam a esses programas como se entrassem em uma torcida organizada. Eles enxergam nesses planos a chance de encontrar uma série de benesses que antes eram dadas apenas às organizadas, como facilidade na compra de ingressos.
Fora que o sócio-torcedor se acha muito mais apaixonado pelo seu clube - e também é levado a acreditar nisso - que aquele que não contribui mensalmente com a agremiação. Em resumo: situação semelhante a que acontecia com os torcedores uniformizados e os ditos torcedores comum até poucos anos atrás.
Por fim, me deixa muito preocupado essa conversão de todos os torcedores em uniformizados, quando a questão de uma morte no estádio, como a do garoto Kevin Espada, se transforma apenas em um bate-boca de torcidas - discutindo apenas a punição aplicada ao Corinthians -, e não em um fato que pudesse acabar, ou pelo menos diminuir, com a violência nos estádios.
Até a próxima!
Mais pitacos em: @humbertoperon
DESTAQUE
Muito se comenta da falha na revista dos bolivianos que permitiram a entrada de sinalizadores na partida entre San José e Corinthians. É muito grave o fato, mas, para quem diz que apenas na Bolívia isso acontece, é uma grande mentira. Muitos esquecem que até na final do Mundial de Clubes, em dezembro, evento da Fifa, vários torcedores entraram com sinalizadores no estádio. Existem inúmeras várias imagens que comprovam o fato. E o uso deles também era vedado por lá. Tanto que o placar eletrônico anunciava a proibição toda vez que um sinalizador era aceso.
ERA PARA SER DESTAQUE
Qual o problema de Pelé falar que Neymar deveria se preocupar mais com suas atuações no gramado que com seu visual ou com suas aparições em festas e eventos sociais? No futebol, cada vez mais sem atrações no campo, qualquer declaração já é motivo para se criar um grande conflito e várias discussões de pessoas que nada tem a ver com o assunto.
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