Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Giovana Madalosso

O que os golpistas do dia 8 têm a ver com a minha e a sua voz

As ameaças que eu, filhote de formiga, recebi mostram a amplitude do problema

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Eu não poderia ser mais irrelevante para os acontecimentos políticos atuais. Aqui na Folha sou cronista, escrevo sobre o cotidiano. No resto do tempo escrevo livros de ficção. Ou seja, passo a maior parte do dia circulando com meus personagens em lugares que só existem na minha cabeça.

Pareço um tipo ameaçador? Olho para mim de avental de cozinha, caneta numa mão e ração de cachorro na outra, e tenho certeza que não. No entanto, desde o ano passado, é como se eu fosse.

Em 2022, mudei-me temporariamente para Curitiba. Uma cidade bastante conservadora, onde 64,71% dos eleitores votaram no Bolsonaro. E onde o meu sobrenome é conhecido, já que diversos familiares meus têm restaurantes na região. Um deles é o meu irmão, Beto Madalosso. Dono de três restaurantes e de uma revista de gastronomia, é uma figura popular na cidade. E, assim como eu, estando numa democracia, nunca se intimidou em expressar as suas opiniões.

Em junho do ano passado essa postura deu ruim. Criminosos fizeram uma fake news em que ele diz que bolsonaristas não são bem-vindos nos seus estabelecimentos. Sendo um tipo bastante agregador, comprometido com a comunidade, com o sucesso dos seus restaurantes e com a mão de obra que emprega, era óbvio que ele jamais diria isso. Ainda assim, impulsionada pelo ódio extremista, a fake circulou bastante, junto com incitações a boicote. Além disso, ele passou a receber ameaças, coisa que também aconteceu comigo.

Quantas vezes não publiquei colunas aqui neste mesmo jornal sentindo medo. Mesmo depois das eleições, circulava em um grupo bolsonarista de Telegram a minha foto seguida de informações sobre a minha vida pessoal. Eu sei por que recebi, de uma conhecida, alguns prints disso e dos comentários que vinham abaixo, incitando ataques "a essa feminista". Prints que tenho guardados, junto com outros, para a minha segurança.

Nunca imaginei que passaria por isso. Se eu fosse uma deputada fazendo denúncias ou uma jornalista política fazendo investigações, seria igualmente lamentável, mas até esperado. No entanto, no debate político nacional, eu sou uma formiga. Ou melhor, um filhote de formiga. E o meu tamanho diminuto só mostra a amplitude do problema.

Quando esse pavor passar e as pessoas começarem a abrir a boca, saberemos que milhares de anônimos foram ameaçados. Que milhares de pequenos e médios negócios foram boicotados. Que milhares de influenciadores foram intimidados. Que milhares de funcionários foram silenciados, coagidos ou demitidos. Que desde crianças até idosos foram hostilizados e, às vezes, agredidos. A mulher espancada pelo marido por votar no Lula, no município de Aral Moreira (MS), é só a consumação mais grotesca de uma violência naturalizada e capilarizada pelo bolsonarismo, que segue acontecendo mesmo depois das eleições, de forma sub-reptícia. Como uma doença que nos acostumamos a aceitar.

É nesse contexto que a punição dos vândalos e mandantes do ato golpista de 8 de janeiro se torna ainda mais necessária e urgente. Assim como a punição a quem instigou esses ataques (tá na hora do Jair ser condenado por isso e muito mais) e a quem produz e dissemina fake news. Além de uma elaboração urgente de políticas de regulação das redes sociais —se uma pessoa não pode me perseguir na rua e dizer que vai quebrar a minha cara, por que pode fazer isso nas redes? Se eu gero lucro para o Instagram, como a plataforma não me oferece um ambiente seguro em contrapartida? E que papel o governo tem nessa intermediação?

Depois que me mandou aqueles prints, a minha conhecida também me contou que, após as prisões do dia 8, os participantes do grupo bolsonarista ficaram mais ressabiados. Não têm tanta coragem de postar mensagens incitando a violência e, quando têm, logo depois apagam.

A Justiça funciona. Só não pode acabar em pizza. Se acabar em pizza, a fatia mordida amanhã pode ser eu ou você.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.