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Adriano Teixeira

Foi terrorismo?

Grave intentona não se enquadra nas definições plasmadas na lei brasileira

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Adriano Teixeira

Professor da FGV Direito SP, é mestre e doutor em direito pela Ludwig-Maximilians-Universität München (Alemanha)

Devido ao lamentável ataque à democracia brasileira no dia 8 de janeiro, o tema do terrorismo retornou à pauta do debate público. Não só parte dos veículos de comunicação passou a chamar os envolvidos de terroristas, mas houve até mesmo pronunciamento oficial do Supremo Tribunal Federal, que classificou suas condutas como "atos de terrorismo". Embora seja natural que o termo "terrorista" seja adotado discursiva e simbolicamente para dar a devida dimensão dos acontecimentos, o enquadramento dos terríveis ataques às sedes dos Poderes da República como terrorismo, para fins penais, mostra-se equivocado e desnecessário.

A grave intentona não se enquadra nas definições de terrorismo plasmadas na lei brasileira e em documentos internacionais. É certo que o conceito de terrorismo é disputado, em especial na filosofia e na ciência política. As correntes variam desde aquelas que enxergam que a essência do crime de terrorismo está no ataque deliberado à vida de inocentes até aquelas que entendem que o elemento central do tipo está no terror afligido à população.

Vândalos golpistas invadem o Congresso Nacional, em Brasília - Sérgio Lima - 8.jan.23/AFP

Contudo, a posição majoritariamente acolhida nas convenções internacionais é a que identifica o traço distintivo do terrorismo na reunião desses dois elementos destacados pelas correntes divergentes. Nesse sentido, a característica especial do terrorismo, que o distingue da criminalidade "comum", é justamente a dupla estrutura do ato terrorista, composta pela agressão direta contra a vida de um certo número de pessoas e pelo concomitante ataque indireto ao restante da comunidade, que se vê amedrontada, aterrorizada em decorrência do ato.

Não é possível enxergar essa estrutura nos ataques do dia 8. Os alvos da violência dos golpistas não foram as pessoas, mas as instituições, não houve mortes e, embora a maior parte da população brasileira tenha assistido escandalizada aos eventos, parece que estes não incutiram temor generalizado nem mesmo naqueles que vivem nos arredores das sedes dos Poderes. Porém, a "finalidade de provocar terror social ou generalizado" é elemento essencial da definição legal do crime de terrorismo insculpido na Lei Antiterrorismo. Além disso, ao que tudo indica, outro elemento ausente nos atos e imperioso pela lei diz respeito à exigência de que a ação seja motivada "por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião". Portanto, do ponto de vista jurídico-conceitual, a leitura dos acontecimentos sob a chave do terrorismo mostra-se equivocada.

É verdade que se poderia argumentar que a exigência da motivação discriminatória do ato pela lei brasileira não encontra ressonância nos documentos internacionais antiterrorismo. Contudo, qualquer tentativa de contornar essa exigência, por exemplo, por meio de uma leitura expansiva do tipo, para além dos limites semânticos da lei incriminadora, estaria vedada pela regra constitucional da legalidade penal, em especial pela proibição de analogia contra o acusado. Assim, mesmo que se reconheça esse problema de subinclusão da lei brasileira, a única maneira de solucioná-lo seria pela modificação do regramento, prerrogativa exclusiva do Legislativo.

Por fim, não há necessidade de enquadrar os ataques no sistema da Lei Antiterrorismo. Não será por falta de lei que os envolvidos ficarão impunes. São diversos os crimes pelos quais se poderão processar os infratores, merecendo menção especial os recém-criados crimes contra o Estado democrático de Direito.

Outros delitos comuns também são aplicáveis, como os de dano contra o patrimônio da União ou em coisa de valor histórico. Ademais, em razão da possibilidade de soma das sanções de todos os delitos mencionados, os envolvidos estarão sujeitos a penas que podem chegar a mais de uma década de prisão.

A rigorosa punição dos autores da intentona brasileira pelos delitos previstos no Código Penal será uma importante contribuição do Poder Judiciário para a proteção da democracia. Apelar para o enquadramento desses atos como terrorismo não é a solução jurídica mais adequada nem tem maior utilidade prática.

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