Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso
Descrição de chapéu Todas

Palmas para o aplauso

Engana-se o meritocrata que pensa que aplaudir é dar uma nota, não somos tão aritméticos nem tão objetivos

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Para Luci Serricchio

Esses dias fiquei sabendo de uma turma de escola que foi ao teatro para aprender como se comportar enquanto plateia, entendendo, entre outras coisas, a hora de aplaudir. Nunca tinha parado para pensar nesse exercício. Comecei observando as minhas próprias mãos. Acredito que tenho um bom timing –nem antes, nem muito depois do final de um número –mas talvez eu peque pela intensidade. Se gosto de alguma coisa, não só aplaudo como grito um "bravo" capaz de ensurdecer o meu entorno.

Membros da turma de formandos do Programa de Educação Prisional batem palmas antes de receber diplomas, na Northwestern University, em Crest Hill, Illinois, EUA
Membros da turma de formandos do Programa de Educação Prisional batem palmas antes de receber diplomas, na Northwestern University, em Crest Hill, Illinois, EUA - Vincent Alban - 15.nov.23/Reuters

Como tudo nesse mundo, há aplaudidores e aplaudidores. E as duas mãos se juntando no ar costumam refletir a personalidade de quem as movimenta. Pelo meu jeito de ovacionar, o leitor já pode deduzir que não sou uma pessoa acanhada. Para o tímido, aplaudir pode ser um suplício, à medida que o barulho também acende sobre ele um holofote. Por isso, você nunca verá um encabulado puxando palmas. Tímido que é tímido só embarca depois, na segurança da algaravia coletiva, e acaba antes para não correr o risco de chamar a atenção para si.

O vigor dos braços também diz muito sobre o aplaudente. Não importa o quanto um espetáculo agrade a um depressivo, suas palmas nunca irão se unir com muita energia. Como se suas mãos pesassem tanto quanto a sua alma. Além do mais, por que tamanha empolgação, três ou quatro palmas já não bastam? Talvez pense, devolvendo logo as mãos para o covil de sua jaqueta. Na outra ponta está aquele para quem o aplauso é pouco. Com dois dedos em riste, enche o peito e assobia, lobo solitário da plateia, orgulhoso de seu próprio alarido.

Talvez meus favoritos sejam os aplaudidores de longa distância. Podem até não dar tanto em termos de intensidade, mas mantêm o ritmo, fazendo o elenco se curvar diversas vezes, ovacionando até depois do fechar das cortinas, mesmo que seus braços reclamem, mesmo que pensem: valha-me, bíceps.

Já os mesquinhos tratam cada uma de suas palmas como uma moeda de ouro. Como sofrem para ceder uma que seja. Muitas vezes de braços cruzados, observando os outros desperdiçarem seus aplausos, pensando: agora não vale a pena. E eu só me pergunto: o que irão fazer com todos os aplausos economizados? O que irão comprar com seu pacote de palmas perdidas?

Poderíamos ir do A ao Z do zodíaco, mas fico apenas com três. Leão: aplaude para ser aplaudido. Virgem: no ritmo certo. Peixes: chorando junto.

Conheci uma menina autista que se incomodava com a estridência das palmas dos parabéns. Era seu aniversário e fizemos um trato: todos cantariam batendo apenas um dedo indicador contra o outro. Sem que combinássemos, as vozes se modularam junto. De repente, compúnhamos a Orquestra do Pequeno Decibel nesta Data Querida, e foi tão bom descobrir que barulho não é documento, que o amor mora na intenção, e da mera intenção nascem coisas bonitas.

Pensando bem, ninguém nunca peca por aplaudir, só por não o fazer. Do outro lado do aplauso, há sempre uma pessoa que teve coragem: de entrar no palco, de fazer o post, de viver mais um ano, de se abrir, mesmo estando exposta a julgamentos, cancelamentos, ao medo primitivo do ridículo.

Engana-se o meritocrata que pensa que aplaudir é dar uma nota. Claro que esse gesto está ligado a um certo grau de satisfação, mas não somos tão aritméticos nem tão objetivos. Perceba em que altura do corpo as palmas acontecem. No fim, o aplauso não passa de um bumerangue: apenas devolvemos imediatamente ao outro aquilo que não cabe no peito.

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