Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso
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Tive que apostar na fé

Nunca vou esquecer o dia em que fui apresentada aos mistérios da vida

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Nos últimos tempos, desejei demais. Aos quatro anos de idade, uma criança que eu amo foi diagnosticada com uma patologia grave. Desde então, ou mais precisamente há seis anos, tudo o que fiz foi pedir a cura.

Se você fosse na minha casa e levantasse a escultura do Buda, embaixo encontraria o nome da criança. Aos pés da Nossa Senhora, a foto da criança. Sob o Daruma com um único olho pintado —o segundo se pinta ao realizar o desejo—, a palavra "cura". Minhas senhas eram palavras de fé —e isso que, até essa doença aparecer, eu nem acreditava em Deus (até hoje às vezes titubeio).

Para não parecer muito obsessiva, no meu aniversário eu fingia que estava fazendo pedidos para mim ao apagar a vela, mas era pela criança que eu pedia. No ano novo, todas as ondas eram para ela. Todas as uvas eram para ela. Todas as moedas que joguei em fontes de desejos foram para ela. Quem engolia das lentilhas do dia 31 não era a minha fome. Era a minha fome de cura por ela.

Templo Budista Chen Tien, em Foz do Iguaçu (PR)
Imagem de Buda em templo - Reprodução

Como disse, eu não tinha fé. Fui aprendendo a ter. Na marra, na garra, na certeza de que muitas vezes só há isso para se aferrar. Nunca vou esquecer o dia em que fui apresentada aos mistérios da vida. Já tínhamos ido a sei lá quantos médicos, estávamos em um famoso, daqueles que você precisa se humilhar para conseguir um horário.

No final da consulta, preocupado com os exames que viu, deu uma sugestão: caso tivéssemos fé em certas coisas, havia um médium em Mogi das Cruzes que podia colaborar. Quase caí para trás:

Se aquele homem da ciência, com seu jaleco adornado com a marca de um dos hospitais mais respeitados do Brasil, estava sugerindo isso, era porque a coisa estava mesmo feia.

O médium não curou a nossa criança. Aliás, é bom ressaltar: nenhum tratamento deve ser trocado por terapias alternativas —o abandono de um tratamento médico pode custar uma vida. O que aquele doutor recomendou foi fazer o tratamento e, adicionalmente, apostar umas fichas na fé, já que alguns pacientes seus haviam se curado sem explicação.

Além de Mogi, fomos a outros lugares. Nunca vou esquecer do "hospital" em que nossa criança fez um procedimento espiritual. Era como um hospital normal mas iluminado com luz vermelha, verde. No lugar dos objetos cirúrgicos, orações.

Todo mundo dizia: os acompanhantes devem fechar os olhos e mentalizar a cura, mas eu não conseguia, só conseguia olhar para os lados, observar aquelas pessoas de branco com máscara cirúrgica rezando em torno da maca, pensando no que escreveria a respeito.

Não há nada mais triste do que ver uma criança enfrentando uma doença. A degeneração não deveria nunca, em hipótese alguma, habitar um corpo cuja maior vontade é brincar.

Há poucos meses, a nossa criança se curou. Não sabemos exatamente como —às vezes a cura também é um mistério— mas acreditamos que foi uma resposta tardia a uma intervenção médica, somada ao crescimento do órgão. Se a fé ajudou, nunca saberei, mas posso garantir que me trouxe algum alívio, o que não é pouco.

Nesta virada de ano, não pedi nada. Todas as ondas e as sete uvas foram para agradecer. Todas a moedas que jogarei em fontes serão para agradecer. Se você levantar o meu Buda, verá um adesivo escrito "obrigada". E, ao lado, um Daruma com o segundo olho alegremente pintado.

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