Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso
Descrição de chapéu Todas casamento

Dez anos em casas separadas

É sempre bom olhar além daquele cardápio único de casamento que nos foi oferecido

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Pode me dar os parabéns: estou fazendo bodas de táxi e de bicicleta. É por essas e outras vias que meu casamento vem funcionando muito bem há dez anos em casas separadas. Demos largada assim. Não que fosse meu plano: eu, como a maioria das pessoas, jamais pensaria nessa possibilidade, já que fui criada no cabresto do amor romântico, incapaz de enxergar outros caminhos além do casamento debaixo do mesmo teto.

Foi Pedro quem abriu a minha perspectiva. Quando o assunto casamento apareceu pela primeira vez, ele me lembrou que a mãe dele estava casada havia 30 anos em casas separadas e sua relação era ótima, ao contrário de outros casamentos tradicionais que vinham estrebuchando ao nosso redor.

Juntamos nossas escovas de dentes em dois endereços. Como eu tinha uma filha pequena, ele acabava vindo mais para a minha casa. Quando eu precisava descansar das fraldas sujas, pernoitava para os lados de lá. Nos finais de semana, ainda reunimos todos os filhos (ele tem dois, mais velhos do que a minha) em uma cozinha ou na outra, eu sempre reclamando que a dele não tem secadora de folhas, ele sempre reclamando que minhas facas não têm fio.

Juntamos nossas escovas de dentes em dois endereços - Adobe Stock

O que nos fez, desde o começo, chamar essa relação de casamento e não de namoro? Acho que o grau de comprometimento. Podemos não estar na mesma casa, mas aparecemos para levar o filho do outro ao dentista. Podemos não dividir as contas, mas sempre conversamos antes de gastar algum montante significativo. E, claro, fazemos planos —em alguns momentos percebi, surpresa, que sou mais casada do que alguns amigos que dividem a mesma cama.

E mais pelada do que alguns amigos que dividem a mesma cama, já que uma das maiores vantagens do casamento em dois CEPs é escapar da maior exterminadora de libido que existe: a rotina.

Claro que nem tudo é perfeito. Quando reformei o meu apê, senti falta de alguém para se ferrar de mãos dadas comigo sob as calhas e despesas que não paravam de cair. Quando minha filha tinha uma crise de choro, sentia falta de dois braços que se abrissem para nós a um metro e não a cinco quilômetros dali.

Nos últimos anos, chegamos a morar não só em casas diferentes mas em cidades diferentes. As pessoas perguntam se isso não é "dar muita chance para o azar". Pelo que observo, quem quer trair faz isso até debaixo do nariz do outro. Como um conhecido meu que traía a mulher na garagem do próprio prédio. O que faz um casamento dar certo não é o grau de vigilância, mas a qualidade da relação. Se for boa, qualquer um vai pensar duas vezes antes de pô-la a perder.

Outra coisa que venho percebendo é que não existe um modelo de casamento ideal, mas o ideal para cada um. Ainda mais: para cada um em cada momento de vida. E tenho consciência que morar em duas casas é um privilégio de classe, infelizmente não acessível para a maioria das pessoas. De qualquer forma, é sempre bom olhar além daquele cardápio único de casamento que nos foi oferecido.

Tenho vários amigos vivendo relações abertas. Três em um trisal. Tenho uma amiga que está namorando com dois homens que se conhecem e se tratam muito bem. Tenho um casal de colegas que já casou com outro casal, e foram felizes enquanto durou e não se cansaram de tentar descobrir que meia era de quem. E tenho até amigos que conseguem se dar bem no modelo de casamento mais doido que conheço: um em que você jura que vai ficar debaixo do mesmo teto com a mesma pessoa "até que a morte nos separe". E por que não?

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