Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso
Descrição de chapéu Todas casamento LGBTQIA+

Duas noivas e um vestido

Olhando para a atendente, ele disse de uma só vez: minha filha está se casando com uma mulher

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Que me desculpem os outros véus e grinaldas, mas o casamento mais emocionante que eu já assisti foi o da minha irmã com a minha cunhada. Para quem estava nos bastidores, a festa começou cedo, três horas antes da hora marcada. Ambas foram se arrumar na casa dos meus pais, mas não queriam se ver: queriam surpreender uma a outra na chegada ao altar.

Havia, portanto, um quarto em que a minha irmã era penteada e maquiada. Em outro quarto, o mesmo acontecia com a minha cunhada. Os grandes segredos a serem preservados estavam pendurados na sala, dentro de capas fechadas por zíperes: os vestidos, que elas escolheram meses antes, em dias diferentes mas numa mesma loja.

Lembrei de tudo isso vendo alguns tolos voltarem a questionar o casamento homoafetivo - Fotolia

Pincel de blush vai, pincel de blush vem, alguém resolveu tirar os vestidos de dentro das capas, arejando-os para o grande momento. Qual não foi a surpresa da testemunha ocular do acaso ao ver que eram idênticos. Ou ao menos idênticos aos olhos de um leigo. Como a vendedora viria a explicar depois, o desenho da renda era diferente, o recorte do tomara que caia era diferente, mas para qualquer pessoa —eu inclusa– que não vive entre croquis, era tudo a mesmíssima coisa.

Resolveram comunicar a coincidência às noivas. Minha irmã, que nunca deu bola para casamento mas que, como muitas outras, naquela data, estava contaminada pelo vírus da noiva nervosa, teve um acesso de choro. Bancariam o par de vaso. E não numa festa qualquer, mas no seu grande dia.

Ao ver a filha caçula borrando o rímel, meu pai se comoveu. Ainda faltavam duas horas para a cerimônia, ele daria um jeito de resolver o problema. Dotado do endereço de outra loja de vestidos, meu pai arrancou a toda velocidade, fazendo sacudir as garrafas de espumante que ainda restavam em seu porta-malas.

A pressa não era só em função da cerimônia. Noivas atrasam e, nesse caso, veja que vantagem, ainda daria para multiplicar o atraso por dois. O grande problema era a hora que fechava o comércio: faltavam 15 minutos para a porta metálica da loja descer.

Como um atleta da contravenção, meu pai foi infringindo os limites de velocidade, até seus pneus cantarem (provavelmente a marcha nupcial) na frente do estabelecimento. Nesse momento, entra a minha parte preferida da história. Desde que minha irmã contou a ele que gostava de garotas, ele aceitou a sua orientação. No entanto, sendo um homem de outra geração, nunca conseguiu verbalizar o que fora afetivamente aceito.

Chegara a hora. E sem titubear, já que tinha poucos minutos para desembuchar o problema. Olhando para a atendente que segurava no canto da boca um alfinete, disse de uma só vez o que não tinha conseguido ao longo de dez anos: minha filha está se casando com uma mulher. Precisa de um vestido de noiva diferente do da outra. Talvez colorido?

Pouco tempo depois, os pneus cantavam no jardim da nossa casa. Minha irmã avançava pelo altar com os cílios meio tortos pela torrente de emoções e com um vestido (branco) que nunca escolheria mas que ficou lindo para ela. Minha filha carregou as alianças. Eu fiz o discurso. Meu pai nunca teve tanto prazer em pagar multas por excesso de velocidade.

As duas seguem juntas, em uma das relações mais afetuosas que já vi, onde uma ajuda a despertar o melhor da outra. Lembrei de tudo isso vendo alguns tolos voltarem a questionar o casamento homoafetivo. Para eles só digo uma coisa: vocês não fazem ideia do que é o amor.

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