Ninguém entendeu quando a estátua sumiu. Um dia, estava lá, sentada, na Glória. No outro dia, já não estava. Todos os jornais noticiaram, perplexos, o furto de uma escultura de 400 quilos de bronze e dois metros de altura —sentada.
Se fosse uma estátua querida, como a de Drummond ou de Clarice, entenderiam mais facilmente. Mas mal lembravam da estátua da mãe do Marechal Deodoro. Pior: mal sabiam que o marechal tinha mãe. Quanto mais mãe digna de estátua. Se nossa república não tem muitos fãs, o marechal que proclamou a república tem menos ainda.
O motivo do furto estava claro: roubaram pra fundir o bronze. Mas como teriam roubado? Essa charada ninguém matou.
Ninguém pensou na estátua. Ninguém pensou na mãe. Ninguém lembrou que dona Rosa Paulina da Fonseca tinha parido dez filhos em vida, e já fazia quase cem anos que estava sentada na Glória vendo o Carnaval passar —e junto com ele a vida inteira que podia ter sido e que não foi. Imagine você: depois de dez gravidezes, cem anos de estátua. Foi no meio de fevereiro, sob o sol escaldante de uma terça-feira, que dona Rosa se levantou. “Pra mim chega”, disse, e foi curtir o Carnaval.
Quando dona Rosa subiu Santa Tereza, o Céu na Terra estava tocando, quem diria, um sucesso da sua época —“ô abre alas, que eu quero passar”, e ela cantou de coração cheio: “Rosa de Ouro é quem vai ganhar!”. Logo encontrou o Desce Mas Não Sobe saindo de surpresa —e com outro nome. Não conhecia nenhuma música, mas quando viu estava chorando: “eu queria que essa fantasia fosse eterna”, que lindo isso, “quem sabe um dia a paz vence a guerra e viver será só festejar”.
Quem viu dona Rosa no Boitatá pensou se tratar de uma pernalta. No Amigos da Onça, beijou Cisão na boca —finalmente um homem do seu tamanho. Descobriu quem era o Prata Preta no bloco que leva o seu nome —e ali teve certeza de que mudou de lado. Nunca mais voltaria a esperar sentada.
Na Vila Kosmos se misturou à multidão cigana da Charanga Talismã e no mesmo dia desceu o mirante do Pasmado com o recém-nascido CPF do Crivella. Na praça da Harmonia viu brotar o Loló de Ouro, onde se misturou com a multidão dourada. “Uau, que tinta mara!” elogiaram. “É colormake?” e ela fez que sim.
Na terça, encontrou a estátua de Noel Rosa, desaparecida anos antes. “Oi, sumida”, Noel disse, e parece que estão vivendo uma tórrida quarta de amor. Devem se casar sob as vigas da Perimetral.
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